
Uma história de intolerância sobre a lei da tolerânica zero.
“Ainda bem que ela entrou. Existe muita gente sem noção,” disse o homem para mim, entre um gole e outro de sua lata de cerveja, em um churrasco durante o primeiro dia do vigor da lei de tolerância zero contra o consumo de álcool no Brasil, há mais ou menos nove meses atrás. Ao ser questionado por mim se ele estava dirigindo e se havia alguém acompanhando-o para levá-lo para casa após nossa comemoração ele respondeu: “Eu sou cuidadoso.”
Segundo o Batalhão de Trânsito da Polícia Militar (BPTran) o resultado positivo do vigor da lei seca durou apenas três meses: o número de óbitos no trânsito caiu 40%. Passados os noventa primeiros dias, os motoristas, de uma maneira geral, voltaram a se comportar como antes: misturando álcool e volante. O número de condutores de veículos embriagados envolvidos em acidentes graves subiu 50%.
E o que gera esse comportamento? O que faz as pessoas acreditarem que existem leis que valem no início mas que não valem tão bem depois de algumas semanas vigorando?
Eu tenho algumas teorias e entre elas a presença ou ausência de fiscalização ostensiva. É sabido que as crianças, quando nessa fase tão importante da vida, apresentam um comportamento tido como esperado quando conscientes do que é adequado e, também, quando na presença de um adulto. O curioso é que a mesma regra valha também para os adultos. Tudo indica que, em um Estado no qual a discussão de leis que ordenem o comportamento das pessoas é mais importante do que a criação e o desenvolvimento de um sistema educacional que privilegie a criação da consciência dos indivíduos, o papel deles no mundo e a importância do saber viver coletivamente, ainda vigore o efeito decrescente de regras que não são mágicas, ou seja, só valerão se efetivamente forem discutidas por todos os setores da sociedade e estratos da população.
Mas e como fazer isso? Em um país onde o resultado dos gols da rodada são mais importantes dos das decisões dos legisladores, executivos e juízes da administração pública, evidentemente que a remuneração paga para esses profissionais (se é que se pode falar assim) não tem causado o efeito esperado. Ainda somos, de uma maneira geral, motivados pelo medo do chicote, e não pela recompensa da cenoura.
O que isso provoca é que o sistema precisa cada vez mais de esforços de fiscalização e controle (pessoas, prédios, computadores, automóveis, etc.) para funcionar de uma maneira bastante insatisfatória.
O que me parece necessário é o inverso: o investimento em educação para que os primeiros anos das crianças no sistema escolar sejam momentos de auto descoberta e do desenvolvimento do pensar crítico e não do puro e simples adestramento para se viver em uma sociedade frágil, injusta e hipócrita.
Até lá existirão os incompetentes públicos que recebem parte da riqueza gerada pelo nosso trabalho para viver um fazer de conta, os indiferentes que possuem coisas mais importantes para pensar e se preocupar do que o que as crianças têm aprendido na escola e os especiais como o colega bebedor de cerveja do início do texto que acredita que as leis são boas, desde que valham apenas para os outros.
Veja abaixo uma campanha criada no Reino Unido para alertas sobre a bebida e o volante:
A imagem desse artigo refere-se à campanha de trânsito da Prefeitura de Curitiba com a personagem Vó Gertrudes.