Parece que estamos no estrangeiro. Não parece São Paulo, parece outro país. [i]
Sou gestor de projetos sociais há duas décadas e durante os anos da minha atuação como profissional na área social, fiquei dividido entre cumprir somente aquilo que havia sido acordado com o financiador ou ir mais além, usando aquela oportunidade para ampliar os repertórios das pessoas envolvidas na ação.
Nunca antes havia me ocorrido que somente uma simples atitude poderia mudar a perspectiva de vida de uma criança.
Durante um simples passeio na Avenida Paulista, as falas das crianças escancaravam isso de forma sui generis: “obrigado por nos mostrar coisas tão bonitas”; “obrigado por nos levar para passear fora da comunidade, eu achava que nunca ia sair de lá”.
Essas frases, a despeito do valor psico-antropológico que suas análises merecem, relevam de forma simples que é nosso dever promover o direito à cidade, proporcionando às crianças que vivem na periferia o direito de usufruir e ocupar os espaços públicos: parques, museus, praças e avenidas.
Ainda estamos muito longe de garantir os direitos básicos, preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei nº 8.069, mas a experiência que adquiri neste último projeto que fiz a gestão me mostrou que um simples passeio pode causar um grande efeito na vida das crianças, transformando e ampliando suas perspectivas.
Para além das nossas sofisticadas abordagens pedagógicas e metodológicas, estão as ações julgadas como simples: um passeio no parque, uma brincadeira tradicional, uma contação de histórias, essas ações ocupam um lugar de muita importância para o desenvolvimento das competências sócio-emocionais.
É preciso ressaltar que as crianças e adolescentes devem compreender que existe um vasto mundo a explorar, para além daquilo que eles já conhecem.
Sua comunidade revela a realidade na qual estão inseridos, porém é nosso dever, ao atuar em projetos de intervenção social, ampliar esse espaço geográfico, político e cultural para além do social.
Ir para além do planejado tem se tornado uma ação prioritária em minha agenda como gestor social. Potencializar as ações do seu projeto ou programa social, a partir das dinâmicas que oferecem a cidade é uma oportunidade que não devemos perder. É preciso entender que todos temos direito à cidade, em sua expressão mais ampla possível, e assim, garantir a inclusão de fato.
É preciso que nossa atuação, como trabalhadores sociais e de direitos humanos, seja de criar oportunidades para encurtar caminhos que parecem tão distantes, no cotidiano de uma criança ou adolescente de periferia.
Nossa missão é de romper barreiras (in)visíveis que separam ricos de pobres, no que tange ao acesso e apropriação da cidade.
Para que as ruas voltem a se encher de crianças brincando e idosos observando, é preciso que a cidade seja desmistificada e que a periferia volte a ocupar os centros: políticos, econômicos e culturais. Lugar de criança de periferia é, e também pode ser, no mesmo espaço que frequenta uma criança do centro.
[i] Esse é o depoimento de uma menina de um dos projetos que coordenei. Fomos fazer uma visita ao MASP (Museu de Arte de São Paulo) e em seguida fomos passear na Avenida Paulista, antes de irmos comer hambúrguer com batatas fritas.