Além dos impulsos de doar iniciados de dentro do doador para mundo e daqueles que do mundo puxam o doador, sobre os quais falei nos dois posts anteriores, há um terceiro tipo de impulso doador, com foco na relação dentro-fora, que se assemelha à natureza da troca, ou até de compra e venda. São os motivos para doação através do impulso de dentro para fora.
Nela há um fluxo de recurso em uma direção e a expectativa de um fluxo contrário, ainda que de natureza diferente. No ambiente familiar, pode aparecer na forma de pais que cobram serem sustentados pelo filho, em retorno pelos significativos investimentos feitos em sua educação. Na esfera da relação entre países, quando um doa recursos a outro, geralmente em um estágio anterior de desenvolvimento, para que amplie determinada indústria com vistas de, no futuro, comprar seus produtos.
No campo do financiamento da sociedade civil brasileira, tenho percebido a doação com expectativa de retorno com certa frequência. Ela aparece em muitas plataformas de financiamento coletivo, no patrocínio, em doações institucionais de empresas e fundações familiares e até em editais para direcionamento de recursos públicos.
A palavra contrapartida, muito usada nestes casos, significa o lançamento contábil de uma partida contrária à outra – a oposição da conta credora à devedora – no sistema das partidas dobradas. Curioso, porque neste sentido a contrapartida da doação para uma organização da sociedade civil deveria ser, nada mais nada menos, do que sua finalidade social. Ou seja, alguém com recursos doa a alguém com um saber específico, que atua socialmente para de alguma forma dar outra direção a uma situação socioambiental que não está caminhando conforme a ética e a moral daquele povo.
Mas até onde posso perceber, a expectativa tem sido de um retorno bem diferente deste. A sensação que me dá é que isso é pouco. E ser pouco é preocupante. O que pode ser mais importante do que a organização da sociedade civil conseguir endereçar com eficácia o desafio socioambiental a que se propõe? Da forma como atualmente vem sendo implementada, a contrapartida me parece ter fugido até deste lugar onde a expectativa de retorno é clara, para um lugar onde identifico práticas de desvio de propósito e de formas de controle.
O investimento social de curto prazo (12 meses), por exemplo, esta a serviço de quem se as questões socioambientais são complexas e de longo prazo? O desvio acontece quando prazos, diretrizes, metas e expectativas de resultado são construídas em torno da contrapartida, não do propósito, ou da causa.
Também já vivenciei a contrapartida sob a lógica que vou chamar de “controle da preguiça”. O doador, partindo do princípio que o receptor irá encostar o burro na sombra, exige que este se mexa para oferecer algo em troca da doação: pagar parte do projeto, encontrar outro financiador que pague.
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