Começa o ano e começa bem. Assistindo ao jornal na TV, vi uma matéria que me chamou a atenção. Uma família, em uma cidade qualquer desse imenso Brasil, tem, no terreno de sua casa, diversos pés de frutas: mangas, maracujá, ameixas, goiabas etc. Como este ano carregou muito, eles não tem condições de consumir tudo e as frutas acabariam caindo e se estragando.
O filho deu a ideia – e a família aprovou – de coletar as frutas maduras que caiam, colocar em uma sacola e deixar nas grades do portão. Qualquer pessoa que passar poderia apanhar uma das sacolas e levar.
Fiquei impressionado pela atitude da família:
- Primeiro por decidir não deixar as frutas apodrecerem, como é o normal por parte da maioria das pessoas que têm frutíferas em seus quintais, e as recolherem (todos os dias, pela manhã, o menino percorre o quintal e enche sacolas com 10 frutas em cada uma).
- Em segundo lugar pela disposição de doar. Não pensaram em vender, mas doar para quem passa na rua, em frente de sua casa.
- Em terceiro lugar, por não ficarem discriminando quem vai, ou pode, apanhar as frutas na sacola. Basta ter vontade e pegar. Não querem nem saber quem são.
Quantas vezes na vida agimos assim? Temos coisas em nossa casa que não usamos mais e que poderiam ser de muita utilidade para alguém, mas deixamos estragar para não doar. É comum nos depararmos, lá de vez em quanto, quando fazemos uma arrumação em casa, com coisas que nem sabíamos mais que tínhamos, as roupas, às vezes, comidas pelas traças e que já não servem para uso.
O trabalho para separar coisas que não usamos pode ser cansativo e deixamos para lá. Outro dia. Talvez um dia de chuva, ou no inverno. E a decisão de doar? Mas será que não dá para vender? Poderíamos conseguir alguns trocos vendendo.
O menino quis dar as frutas, sabia ele que o que poderia receber vendendo não seria muito, mas doando, seria fácil ver o sorriso e os comentários das pessoas.
E se doar, doar para quem? Sempre queremos saber da vida dos outros, fiscalizar, discriminar.
“Não vou dar nada para esses tipos vagabundos que vão trocar por droga!”
É um comentário comum.
Será que um pequeno gesto não poderá ser o ato que fará a diferença na vida de alguém que está no caminho de destruição de sua vida e sente que ninguém o reconhece, só o condena?
Fiquei pensando nas pessoas que conheci em minha vida que fizeram como aquele menino. Dependuraram mangas, ameixas, goiabas para que eu as apanhasse. Essas frutas foram em forma de aulas de meus professores, de conversas com amigos ou até mesmo estranhos encontrados em diversos lugares e situações. Parentes que estenderam uma mão, pessoas que em nome de sua fé me ajudaram em tantas ocasiões. Tive umas famílias, nos Estados Unidos, quando lá estudei e morei por 4 vezes, que sempre, em nome da igreja que frequentavam, cercaram de amizade a minha família e encheram nossa casa temporária com móveis, eletrodomésticos, roupas quentes e, acima de tudo, com carinho e amizade. Essas pessoas nunca, ou quase nunca, me disseram: “Olha lá o que vai fazer com isso.”
O que fazer dependia de mim. Comer as frutas ou levar, ou até vendê-las, não é da conta do menino que as coloca no portão todos os dias. É mais bem aventurado dar.
Quando ando pela cidade vejo hospitais, escolas, creches, asilos, bibliotecas, igrejas, obras sociais que foram construídas e são mantidas por pessoas anônimas, que sem saber quem vai usar, vão deixando suas sacolas no portão para quem precisar.
Outro dia vi um carrinheiro, um desses catadores de papel e latas – hoje tão comuns em nossas cidades – com a esposa e dois filhinhos na frente de um grande supermercado. Procuravam por alguma sobra dos que tem dinheiro para consumir e jogar fora as embalagens. Alguém saiu do supermercado com as mãos cheias de sacolas, viu a cena, parou, tirou de uma sacola um peru e deu à família, dizendo:
“Feliz Natal. É para vocês comerem na noite de Natal.”
O homem pegou, agradeceu, e os filhos e esposa se acercaram, sorriram e lá se foram. Ninguém se identificou. Ninguém perguntou nada. Apenas aquela pessoa dependurou uma sacola na grade de seu portão para quem tinha menos que do ela tinha para comer.
Com essas lembranças é que estou vivendo meus dias, começando as atividades de um ano novo e com o propósito de colocar sacolas nas grades dos portões da vida, para que outros que tem menos que eu possam ter, ainda que pouco, um pouco mais daquilo que me sobra.
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