Deixando de lado a filosofia do silêncio, que já rendeu aforismos e frases célebres como a de Sófocles, que diz que “há algo de ameaçador num silêncio muito prolongado”, quero falar de uma causa pouquíssimo lembrada. Uma causa pela qual se deveria também promover algum esforço. E não se trata do silêncio de forma geral, mas do sossego provindo do silêncio como forma de respeito ao próximo, ou, simplesmente, de educação.
E o brasileiro com isso?
Como a educação é uma das últimas coisas na fila das prioridades nacionais, o resultado é um país onde não se aprende o valor do silêncio e do sossego, simplesmente porque não há esforço educacional suficiente. Ao pesquisar sobre o silêncio, descobri um blog produzido por uma moça nordestina que tem horror ao som automotivo e questiona a nossa sociedade de exceção. No Brasil, segundo ela (e eu também posso afirmar categoricamente), cumprir a lei acaba sendo ridículo. Você pode ser motivo de chacota ao evocar alguma lei. Exemplo vivo pude sentir na pele quando fiz um comentário em um site de uma praia de Santa Catarina. Comentei que a vizinhança não parava de soltar rojões de forma contínua e exacerbada, ainda que passasse de uma da manhã, na passagem do ano. Estávamos na casa da minha sogra e com um bebê de quarenta dias. Logo apareceu outro comentário sugerindo que eu fosse embora já que não estaria a fim de me divertir. Mas, então, ninguém mais pode ir para a casa de veraneio em busca de sossego? Todo mundo é obrigado a estar feliz o tempo todo? Ser feliz é fazer barulho?
A questão é que o tempo ocioso do brasileiro é dedicado ao barulho. E não me refiro somente aos feriadões. Certa feita eu estava em Brasília, num restaurante, e fui obrigado a ouvir todo o diálogo de um cidadão que falava aos gritos pelo celular, na mesa ao lado. Só a fome me impediu de levantar e sair. Esse tipo de situação mostra o grau da finesse social brasileira. Aqui ao lado, no Uruguai, foram proibidos fogos de artifício na passagem do ano, porque eles sabem como se sentem os pássaros, cães e outros animais em relação aos explosivos, sem contar o incômodo aos ouvidos humanos. Estive em Buenos Aires em um fim de ano e vi que festejos com fogos são praticamente nulos entre os portenhos. Enquanto isso, por aqui, “não se pode fazer barulho das sete às vinte e duas”. Mesmo assim, “isso é ridículo já que a balada começa mesmo é lá por meia-noite”.
Vantagens do silêncio
Antes de ser tachado de velho rabugento, devo dizer que se perderam muitos dos valores com os quais fui educado e muita gente também foi. Não se trata de rigidez exacerbada na educação dos filhos. Não se trata da idade deste que lhes escreve ou rabugem ou, ainda, de conservadorismo, palavra que não a tenho em alta conta. O silêncio deveria ser uma causa permanente, dados os benefícios que proporciona. Há o aspecto da concentração, do relaxamento, da reflexão, da religião, do esoterismo, da espiritualidade, do sono tranquilo, da paz. Da sua paz e da paz alheia, principalmente. Mas também há o aspecto fisiológico negativo, pelo qual podemos observar sérios distúrbios auditivos ou neurológicos em quem exagera no volume ou na algazarra.
O ser humano tornou-se hostil à ideia do silêncio ao invés de combater a incomodação. Não se pode mais ir a uma praia conhecida e ouvir o som das ondas quebrando, o pipilar das gaivotas, puramente. Sempre haverá um tum tum tum no background, vindo de algum som automotivo. Há uma necessidade cultural, notadamente ocidental e particularmente tupiniquim de se preencher o vazio do silêncio. Mesmo sozinhos em casa ligamos a TV, rádio, ou saímos a caminhar com fones de ouvido conectados em nossos telefones celulares, também prontos a receber ligações e notificações a qualquer tempo. Todo esse ruído preenche um vazio incomodativo à maioria. Então, é o sossego que incomoda.
Por falta de ser lembrado, o silêncio agora é um senhor muito velho, manco e fora de moda. Talvez, por isso, ninguém lhe dê ouvidos.