Ao escarafunchar nos conteúdos da Scientific American, em busca de subsídios para desenvolver algumas ideias sobre o silêncio, deparei-me com um artigo sobre como um ruído em segundo plano pode afetar a nossa concentração. No artigo anterior, que escrevi para o Portal Nossa Causa, refleti sobre o fato do ser humano ter se tornado hostil ao silêncio ao invés de cultivá-lo apropriadamente e também conjecturei sobre fatores positivos que envolvem o silêncio, principalmente sobre o respeito ao sossego alheio, um valor há muito esquecido. Uma causa, portanto, cuja bandeira deveria ser empunhada, pelo direito que temos de sossegar, de termos conforto acústico e, inclusive, de não termos que ouvir tudo aquilo que os outros querem ouvir.
Sabe-se que o ruído, tenha como fonte uma máquina industrial, mares de automóveis passando na frente da sua casa ou um vizinho com péssimo gosto musical, com certeza já causou grandes estragos entre a população do mundo todo. Notícia pior ainda é que esses estragos não são meramente auditivos. Vão muito além do tímpano e podem desequilibrar uma pessoa emocionalmente. Alguém já assistiu ao filme Laranja Mecânica, em que um personagem é submetido a ouvir Beethoven infinitas vezes? Creio que seria bem pior se o diretor Stanley Kubrick se valesse do mais adorado repertório dito “musical” brasileiro.
Guerreira do silêncio
Em minha busca por pessoas que pensam como eu no que tange ao respeito pelo sossego alheio, acabei encontrando a sergipana Graziela Menezes Alves, editora de um blog que, essencialmente, repudia e combate o barulho exacerbado do som automotivo e das algazarras sem limite em comemorações populares. O conteúdo do blog é um verdadeiro pedido de socorro às autoridades e à comunidade. Graziela, que estuda para concursos públicos, vê-se em constante luta contra uma vizinhança barulhenta e evoca todo tipo de informação ou amparo legal que ajude na sua batalha:
“As pessoas de um modo geral me veem como reacionária ou simplesmente chata, nem todo mundo tem esse ponto de vista em relação ao meu desespero diante da poluição sonora, é normal as pessoas fazerem piadinhas e acharem que exagero”, disse-me, por email, a sergipana. “Fico altamente estressada, a pressão sobe, o coração acelera, já tive dor de estômago e dor de ouvido também”, contou-me. Tal depoimento faz todo sentido, ainda mais por ter fundamento científico. Graziela sofre com o exagero, mas não é preciso tanto para se ter problemas de saúde via desconforto sonoro.
O ruído prejudica mesmo em baixo volume
De acordo com o diretor e professor de fisiologia da Seton Hill University, Estados Unidos, Mark A. W. Andrews, sons de segundo plano ou em baixo volume, seja em casa, no trabalho ou na escola, interrompem a concentração das pessoas. Até aí nenhuma novidade. Mas, segundo o Instituto Nacional de Saúde e Segurança Ocupacional estadunidense, som ambiente também afeta a saúde aumentando os níveis de estresse e agravando condições relacionadas, como pressão alta, doenças coronárias, úlceras pépticas e enxaquecas. A exposição continuada ao ruído, segundo o Instituto, não leva as pessoas a se habituarem, mas piora os efeitos.
Conforme nos mostra Andrews, vários estudos têm indicado que o estresse provindo daquilo que tecnicamente se chama de white noise, ou seja, um sinal sonoro randômico padrão, pode induzir à liberação de cortisol, um hormônio que ajuda a restaurar a homeostase, isto é, o equilíbrio das condições do organismo, após uma experiência ruim.
O excesso de cortisol prejudica a função do córtex pré-frontal, um centro de aprendizado emocional que ajuda a regular funções “executivas” como planejar, raciocinar e controlar impulsos. Andrews ainda diz que há evidências recentes de que o córtex pré-frontal também armazena memórias de curto prazo. Mudanças naquela região, portanto, podem obstruir a capacidade de uma pessoa pensar claramente e de reter informações.
Embora isso não seja definitivo, afirma o professor, também há pesquisas que sugerem que o estresse causado pelos ruídos podem diminuir a quantidade de dopamina no córtex pré-frontal. Com isso pode haver perda de memória, dificuldade de aprendizado e diminuição de importantes funções do cérebro.