Uma polarização de opiniões e ideologias tem dominado os discursos políticos e da própria sociedade civil. Não se encaixar no meio em que vive pode sim significar problemas, e casos de xenofobia já não são tão raros em nosso país. Poderia contar inúmeras histórias de haitianos, senegaleses e angolanos que são discriminados todos os dias pela sua cor ou sua origem, mas são poucos os que contam as histórias dos muçulmanos no Brasil. A islamofobia não é discutida, mas é sentida, principalmente pelas mulheres.
Segundo dados do instituto norte-americano Pew Forum on Religion & Public Life, quase um quarto da população mundial é de muçulmanos, ou seja, um bilhão e meio de pessoas. No Brasil, de acordo com a Federação Islâmica Brasileira, estima-se que há mais de 1,5 milhão de fiéis. O problema está na falta de conhecimento e nos extremistas religiosos, que ao disseminar o terror e a violência geram o preconceito, o medo e a hostilidade.
Após o atentado à revista francesa Charlie Hebdo, em janeiro de 2015, houve muitos relatos de agressões e atentados contra muçulmanos em cidades de todo o mundo, inclusive no Brasil, como São Paulo, Belo Horizonte e Cuiabá, com episódios de apedrejamento. A islamofobia expandiu suas fronteiras para além da Europa e dos Estados Unidos.
Quando comentei com alguns amigos o que pretendia fazer, ouvi repetidas vezes que dificilmente daria certo, pois no Brasil é diferente. Será que aqueles episódios haviam sido casos isolados? Eu sabia que não. Então, resolvi tirar as pessoas de suas zonas de conforto e colocar a diversidade escancarada aos olhos de todos. Com uma gopro escondida e um niqab – tradicional véu islâmico em que revela apenas os olhos – fomos às ruas.
Era um sábado de sol, auge do verão e tomei de ponto de partida a Mesquita Imam Ali, no centro histórico de Curitiba, por acreditar que nas redondezas, as pessoas encarariam com mais naturalidade uma mulher de véu. Na quadra seguinte, já sentia o peso dos olhares nos carros e nas ruas e o calar das conversas ao me ver passar. Estava considerando toda a atenção muito mais como curiosidade do que preconceito, até virem os primeiros insultos.
“Você é uma idiota, tire isso”
“Pensa que está aonde? Volta pro teu país!”
“Cuidado que ela tem uma bomba escondida aí embaixo”
“Você é uma oprimida, aqui somos livres!”
Livres. Quem? Ao se valerem de estereótipos, estavam presos em sua própria ignorância. Não enxergar que ali estava uma mulher, um ser humano antes de tudo, brasileira, ou não, que teve seus direitos e principalmente, sua dignidade violada, estas pessoas, que se dizem defensoras da liberdade, foram os principais agentes da opressão. E não parou por aí. Barulhos de bomba, piadinhas e risadas foram a trilha sonora da caminhada. Um sinal da cruz de uma senhora ao me ver passar foi a própria materialização do preconceito.
E aí você pode dizer que isso é atitude de pessoas mais velhas, conservadoras ou com pouca instrução. Mas as principais manifestações vieram de jovens, frequentadores de uma área que recentemente se tornou refúgio à cultura urbana da cidade. Pessoas que teoricamente se consideram abertas à diversidade e ao novo. Teoricamente.
Estas poucas horas de caminhada me fizeram refletir muito. Neste cenário, temos de um lado jovens locais que se sentem ameaçados pelo diferente e vêem nas agressões físicas e verbais como forma de autodefesa e defesa de seu território. De outro lado, jovens que não conseguem se enquadrar dentro da sociedade em que vivem e que normalmente enfrentam privações sociais, levando alguns à atitudes extremas. Temos então, uma reação em cadeia.
E qual a lição final de tudo isso? Preservar o direito de cada um em sua diversidade, cultura e crença.
Liberdade é, antes de tudo, respeito.