Este artigo de autoria de Antonio Luiz de Paula e Silva sistematiza algumas dicas sobre como melhor compreender e amadurecer a governança de uma OSC. Agradecemos o ICOM – Instituto Comunitário Grande Florianópolis – por autorizar a publicação no portal Nossa Causa.
Costumo interagir regularmente com dirigentes de organizações da sociedade civil (OSCs) e frequentemente escuto que estão se sentindo sobrecarregados, cansados e pressionados. Sentem-se assim tanto pela quantidade de coisas para fazer, quanto pela complexidade das decisões que têm que tomar, quanto pela urgência que envolve os assuntos: têm que pensar em diversas variáveis ao mesmo tempo, considerar os interesses de diversos tipos de pessoas e ainda lidar com recursos muito escassos (o tempo é um deles). Nesse contexto, o que fazer?
Bem, eu não sei exatamente o que fazer, mas ouso afirmar que pode haver um problema de governança nestas situações. Por que a situação é esta? Por que há acúmulo de coisas para fazer? Por que as decisões acabam se concentrando em um pequeno número de pessoas? Por que tudo é urgente? Por que as coisas só se resolvem sob pressão? Como se constrói a dinâmica da governança? O que é governança?
Governança é o conjunto de processos através dos quais as escolhas são feitas e as decisões são tomadas e a dinâmica da governança em uma OSC se constrói desde o primeiro momento da sua existência, quando os fundadores se reúnem para trazer algo novo ao mundo em função dos seus ideais. Em diferentes fases da vida da organização, pode se organizar em torno de princípios diferentes, sob influência de fatores internos e externos.
Acredito que toda questão de governança em uma OSC é, em alguma medida, uma questão de poder já que envolve múltiplos interessados: quem participa na tomada das decisões ocupa diferentes posições de poder e autoridade e sempre busca exercer influência, direta e indiretamente. Na governança, as relações entre os interessados podem ser de múltiplos tipos, do conflito à colaboração. Há informações que estão visíveis, informações que são ocultas e informações que simplesmente não estão acessíveis. A governança é dinâmica e complexa, portanto.
Há sistemas de governança que concentram poder e a hierarquia é muito forte. Por diversas razões, acaba-se criando uma dinâmica em que as decisões mais importantes são tomadas por um grupo muito restrito de pessoas. Nestes casos, percebe-se claramente a presença de um “centro” e uma “periferia” ou uma “base” e um “topo”. Sistemas assim podem ter variações: aqueles que detêm o poder de decidir podem estar próximos ou distantes do dia a dia, podem estar apropriadas de informações confiáveis e precisas ou podem estar se baseando em impressões gerais ou fofocas de corredor e daí por diante.
Conforme os sistemas de governança se organizam e evoluem (ou cristalizam) as pessoas que pertencem àquela OSC terão vivências diferentes: alguns provocarão muito sofrimento, outros provocarão muito entusiasmo.
É importante estar atento aos princípios que regem a governança da instituição a cada momento histórico:
- Como os princípios atuais de governança foram adotados?
- Desde quando estão vigentes?
- Que tipo de vivência estão gerando nas pessoas que participam de alguma maneira?
- O que evoluiu nos últimos anos?
- O que pode não ter mais sentido daqui para frente?
- Como a liderança na organização trata esse tipo de perguntas?
- Qual é a questão que desafia o modelo atual de governança da instituição?
O primeiro passo para mudar a governança em uma OSC é olhar para ela com atenção. As perguntas acima podem ajudar. Assumir a governança atual como algo dado, imutável e definitivo é vitimizar-se. A partir desse olhar, o próximo passo é formular uma pergunta aberta que remeta ao desenvolvimento da organização e da sua governança. Uma boa pergunta é fundamental para orientar o repensar da governança.
Nas experiências que eu tive com diversos tipos de organizações da sociedade civil, processos muito ricos de repensar e amadurecer a governança começaram com boas perguntas, como as seguintes:
Como trazer pessoas mais jovens para a Diretoria?
Qual é a necessidade de ter um conselho?
Como envolver mais gente e maior diversidade na governança da organização?
O que tende a acontecer se eu morrer?
Quem mais tem capacidade de assumir a liderança nesta organização?
Como assegurar que os idosos tenham voz no planejamento?
O que podemos realmente esperar uns dos outros na governança da OSC?
A mudança começa quando começamos a nos questionar de modo verdadeiramente aberto a respeito da dinâmica existente. Assumir uma questão, mesmo sem poder formal, é exercer liderança. Liderança e governança estão intrinsecamente relacionadas: quando uma começa a mudar, a outra automaticamente se põe em movimento. Que tal pensar um pouco nisso tudo?
Sobre o autor: Antonio Luiz de Paula e Silva é consultor para o desenvolvimento de iniciativas sociais, especialmente aquelas com cultura associativa e propósito social. Há mais de 25 anos atua como consultor, educador e facilitador junto a associações, institutos, fundações e empresas no Brasil. Ele também é fellowda Ashoka Empreendedores Sociais, diretor de Boas Conversas, membro da Weniverse e autor do livro Utilizando o planejamento como ferramenta de aprendizagem
Sobre o ICOM – Instituto Comunitário Grande Florianópolis:O ICOM – Instituto Comunitário Grande Florianópolis é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos e de interesse público que atua como uma fundação comunitária. Desde 2005 promove o desenvolvimento comunitário em Santa Catarina, mobilizando, articulando e apoiando investidores sociais e ações coletivas de interesse público. Tendo sua atuação guiada por esse propósito, o ICOM:
- Realiza ações para articular a comunidade e conhecer os desafios locais por meio de diagnósticos sociais participativos. Dessa forma, trabalha para influenciar políticas públicas, subsidiar a atuação da sociedade civil organizada e orientar o investimento social privado.
- Fortalece organizações da sociedade civil, grupos e movimentos sociais para que esses grupos sejam cada vez mais autônomos e capazes de coproduzirem o bem público e lutarem por direitos para todos;
- Mobiliza e engaja pessoas e empresas para que se envolvam e doem para a sociedade civil organizada.
Sobre o Jornada DI:O Jornada DI é uma formação em desenvolvimento institucional e atuação política para a garantia de direitos da criança e adolescente para gestores de organizações da sociedade civil de Florianópolis.
Em 2019, o projeto apresenta a sua 4° edição para 15 organizações da sociedade civil. Nosso objetivo é contribuir para fortalecer sua sustentabilidade e sua atuação política no contexto local. Neste ano, o Jornada DI é correalizado junto ao CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Florianópolis) e a UDESC por meio do OBISF – Observatório de Inovação Social de Florianópolis, projeto do Núcleo de Inovação Social na Esfera Pública (NISP) da ESAG.