Desculpa pelo dia que entrei para ficar na vida dela.
Sabe aquele dia que ela passou para o banco de trás do carro e já não ia mais na frente com você, pois minha cabeça teimava em cair, pelas surpresas do destino que me enviou com essa síndrome que estava aparecendo?
Aquele dia que ela parou de arrumar a sua mala de viagens a trabalho, pois tinha que me trocar, dar banho e arrumar meus óculos várias vezes?
Desculpa pai por querer ela tão perto de mim. Desculpa pelos sorrisos e gargalhadas que arranquei dela, desviando sua atenção.
Sabe pai, eu não vim para te tomar minha mãe. Afinal, eu sou um pedaço de você! Mas ao invés de encontrar quatro mãos, muitas vezes encontrei somente duas.
Desculpa quando fui para a cama de vocês, quando operei o quadril e de lá jamais saí. É que a presença dela me acalmava, e encontro no olhar confiante dela o remédio para continuar vivendo.
Desculpa fazer com que ela se preocupe muito comigo, mas eu não consigo me mover, e o jeito que ela me tira do carro é tão doce!
Desculpa aquele dia que ela tirou a roupa de festa e colocou o pijama velho porque chorei ao imaginar a saudade que ficaria dela, mesmo que por algumas horas. Desculpa por ficar 24 horas ligado a ela, mas se eu ficar sentado numa mesma posição, tenho dores terríveis!
Mas não cortamos o cordão umbilical. Não escolhi vir com uma síndrome rara. Aliás, escolhi sim. E ela tem cumprido “nosso combinado” tão bem. Desculpa encher seus braços, abraços, beijos de mim!
Desculpa pai, o dia que ela falou que eu era prioridade. Mas, sabe, ela tem muito medo de me perder. E o medo dela de me perder foi maior do que de te perder.
Desculpa pelos domingos que acordamos cedo para correr, mas ela sabe que isso me mantém com os estímulos necessários para que não ocorra mais desmielinização, e estes estímulos não deixam que eu me “desconecte” de mim, de você, da vida! Desculpa as vezes que ela me colocou para dormir, já exausta não teve força para sequer tomar banho ou comer e capotou de sono junto comigo. Somos assim porque talvez só eu sei como o coração dela bate por dentro.
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Porque aquele dia do diagnóstico ela foi andando sozinha no corredor. E não fui eu que me agarrei a ela. Mas sim, acredite, a necessidade dela sempre foi maior do que a minha.
Desculpa as vezes que eu te fiz ficar nervoso/bravo/triste e te fazer falar com ela: “pega o seu filho.” Eu também sou seu, pai! Acredite nisso.
Desculpa fazê-la ficar forte, mais séria, mais brava do que aquela menina doce que abaixava os olhos sempre que você ficava nervoso. Desculpa eu te falar isso pai, mas ela só queria ouvir aquele dia, que podia contar com você, que estavam juntos no mesmo barco. Mas ela remou sozinha sem rumo, se agarrando no que dava para não perder a esperança.
Desculpa por ela ter se apoiado em mim, e você, em ninguém. Eu vim do céu por causa do amor. Cada dia uma história, um sorriso, uma lágrima. Mas sempre com afeto nos olhos e ternura no coração.
A gente vai se curando junto.
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