Adoro histórias reais. De superação e inspiração, que nos provocam a olhar para a nossa realidade com outros olhos. Os olhos da gratidão. Reclamar de barriga cheia não dá!
Para este mês, preparei algo especial e gostaria do seu feedback ao terminar de ler esta história de coragem e determinação do Reginaldo:
“Não escolhi vir ao mundo, mas nasci em março de 1986 na Maternidade Carmela Dutra, em Florianópolis. Antes que eu compreendesse qualquer coisa, meus pais se separaram, não tive escolha. Fui morar com minha mãe em um casebre sem banheiro e sem geladeira onde hoje é a Chico Mendes, na capital. Lá ela conheceu o Márcio, meu padrasto, e mudamos para Palhoça. Ganhei um meio-irmão.
Com seis anos já conseguia ler e fazer cálculos. Meu padrasto me deixava cerca de 10km do local que morávamos e eu vendia salgados feitos por minha mãe até chegar em casa. Sempre gostei de ler, quando podia comprava gibis. Sempre me dediquei aos estudos, tinha certa facilidade, e escolhia ajudar os colegas que se atrapalhavam com números e letras.
Aos treze anos, perdi minha mãe para um ataque fulminante e não tinha muito contato com meu pai. Fui tirado da casa do Márcio e levado para uma casa-lar, não lembro se da prefeitura ou do governo. Fugi. Fiquei revoltado. As pessoas só sentiam pena de mim, mas não faziam nada.
Conheci algumas pessoas que me apresentaram bebida, cola de sapateiro, benzina e maconha, tornaram-se meus amigos. Passei a frequentar boates, puteiros e clubes da moda. Entrei, por escolha própria, em um mundo de ilusão. Meu padrasto não deixava mais que eu visse o filho dele, meu irmão. Eu era má companhia.
Com dezoito fui detido com maconha para consumo. Fiquei uma noite preso e fui liberado. Mas já havia usado cocaína, anti-respingo, lança perfume, ecstasy, ácido (LSD), skank (maconha de laboratório), solvente e mesclado (crack enrolado no baseado de maconha). Já havia roubado para consumir. Nessa idade, perdi meu pai. Eu não tinha muito contato, mas foi dolorido vê-lo em coma na UTI do Hospital Universitário da UFSC. Não tive escolha. Uma viga de obra caiu sobre ele, morte encefálica.
Decidi que deveria mudar quem era. Além de trabalhar como extrusor em uma fábrica de embalagens, montei um carrinho de lanches, Rosa Lanches, sobrenome de minha amásia na época. Estava lucrando, adquirimos alguns bens e eu pensava até em deixar o emprego que tinha durante o dia.
No ano de 2008, meu aniversário seria em um sábado, no entanto, para não deixar de lucrar com o carrinho, decidi comemorar dois dias antes com minha companheira, alguns amigos e parentes. Escolhemos uma praia e fomos. Saí antes que escurecesse e não presenciei, mas mataram um homem. Foi quando minha vida começou a mudar drasticamente.
Fui chamado para depôr. Apresentei-me e fui liberado. Porém, as escolhas erradas que fiz, incluindo o fato de eu ter sido fichado na polícia e meu estereótipo, aliado aos maus amigos que escolhi e o lugar errado que estive custaram-me a liberdade. Conseguiram uma prisão preventiva para mim.
Delegacia de homicídios de Florianópolis, Cadeião do Estreito, Presídio de Florianópolis, Casa Velha da Penitenciária de Florianópolis, Ala de Containers da Penitenciária de Florianópolis, Ala de Segurança Máxima da Penitenciária de Florianópolis e por último Pavilhão Um da Penitenciária de Segurança Máxima de São Pedro de Alcântara. Todos locais que passei nos dois anos e dois meses que permaneci aguardando a liberdade ou a condenação.
Nos primeiros meses que estive preso, ainda tive contato com drogas, parece incrível, mas prisões tem brechas que os presos acabam enxergando. O contato com outros presos que eram da ‘minha área’ me deu uma certa tranquilidade. Presenciei coisas horríveis, mas até então, considerava normal. Na primeira audiência, frente ao juiz, continuei com minha arrogância. Aquela convicção ‘Não fui eu que matei, vou ser liberado’ caiu por terra quanto voltei para a cela e entendi.
Comecei a perceber o mundo ao meu redor, ou melhor, o submundo. Os incessantes convites para entrar em uma facção batiam na porta, ou melhor, vinham por cordas pela janela. Os ‘irmãos’ de cela só falavam em matar o cara que tinha entregue eles para a polícia, fazer assaltos e dominar o bairro que moravam. Não era mais o que eu queria para mim, mas eu havia escolhido aquilo. Todas as escolhas que fiz me levaram até aquele momento. Eu era um inocente com culpa, inocente do homicídio e culpado pelos erros que cometi.
Decidi que ia mudar. Descobri que São Pedro de Alcântara possuía uma biblioteca e resolvi ler novamente. Passei a incomodar os agentes prisionais para que me trouxessem livros. Depois de muita insistência, consegui. Cada livro que eu lia me transportava para fora dos muros da prisão e ampliava minha percepção sobre o que me rodeava. Escolhi transmitir o que percebia e escrevi o livro Vidas Quebradas para trazer as pessoas de fora das muralhas para dentro, sem o sofrimento que estava sentindo. Queria que as pessoas soubessem que este lugar existe.
Depois de dois anos e dois meses, fui absolvido. Saí sem saber se conseguiria realmente mudar. Levei comigo apenas os cadernos que escrevi. Bati palmas na casa do pai do meu meio irmão e ele me auxiliou, mesmo eu já o tendo agredido. Dali fui para Garopaba na casa de um tio, lá moro ainda. Trabalhei como calceteiro, pintor e açougueiro e voltei a estudar. Resolvi fazer o Enem – Exame Nacional do Ensino Médio e fui bem. Ingressei em 2012 no curso de Comunicação Social – Jornalismo na Unisul de Tubarão e, mesmo em meio as dificuldades, finalizo o curso este ano.
Sou cobrador de ônibus em Florianópolis durante o dia, faço estágio, estudo a noite. Durmo quatro horas para dar conta de tudo. Lancei o livro Vidas Quebradas: reflexos do crack pelo programa Cem Cópias Sem Custo, do Governo do Estado de Santa Catarina, em novembro de 2014. Desde então, faço palestras em escolas, clínicas de recuperação e outros locais. Transmito o que aprendi com os erros cometidos e tento mostrar para as pessoas que não importa o quão difícil pareça o problema. Basta crer e lutar!
Estabeleci metas, mirei e estou acertando. Pretendo cursar mestrado e doutorado e já sei o que preciso para chegar lá, por isso, novas metas e objetivos foram criados. Afinal, a vitória está a um passo de quem dá o passo seguinte.”
Reginaldo Osnildo
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