O resultado prático mais evidente de um bom sistema educacional é o desenvolvimento econômico e social. Mas posso dizer que a escola não foi um lugar muito inspirador para o meu desenvolvimento. Estudei na rede pública a maior parte do tempo, inclusive no ensino superior. Peguei o final do regime militar quando estava no Fundamental. Repensando isso, vejo que até esqueci daquela escola retrógrada. Mas não esqueço de Eunice.
Eu tinha uma ideia diferente do que seria um professor, antes de ir à escola. Meu pai, entre outras coisas, era professor, filho de um médico e historiador. Tínhamos, em casa, aulas de todo tipo. Música erudita de toda a sorte, história, lendas, etiqueta social. Mas tudo isso era divertido porque eram conhecimentos repassados com carinho e criatividade. Lembro dos garfos desafiando a gravidade, equilibrados com palitos de dentes no gargalo de uma garrafa de refrigerante, numa das aulas de física mais interessantes que já tive depois do jantar. Na escola pública não havia isso. Não havia laboratórios. Vejo, agora, que aquilo era inconsequência, indiferença.
Até a quinta série eu não havia assistido uma única aula de inglês, porque isso não existia na minha escola. Também não existia nenhuma instalação desportiva. Os meninos jogavam “bola” com tampinhas de garrafa ou copinhos de iogurte amassados, no pequeno espaço de piso lustroso que havia em frente à cantina. Mas a diversão não durava muito porque logo eram enxotados por um inspetor ou zelador. Educação Física era exercício físico, no espaço fisicamente possível.
Em vez de uma campainha, o que anunciava o início, fim ou intervalos das aulas, era uma escandalosa sirene de camburão policial, afixada logo acima da porta que dava para o pátio. O barulho era ensurdecedor e seria mais apropriado a campos de prisioneiros, se quiséssemos torturá-los. Aquilo botava medo, deixava a gente nervosa.
O drama de Eunice
Lembro-me muito bem do tratamento dado a alunos com dificuldades. Certa feita, na segunda série da escola primária, uma professora agarrou o braço de uma menina muito tímida, que tinha o cabelo todo desgrenhado. Gritou, sacudindo-a: “Eunice, sua tartaruga! Você ainda não terminou?”, ao que todos os outros alunos riram. Chavão hollywoodiano!
Pobre Eunice, menina feia e vagarosa, submetida a um regime escolar capenga que, por sua vez, era submetido a um regime ditatorial. Presenciei cenas assim inúmeras vezes. Nada daquilo era divertido. Nada era atrativo. Então por que a escola haveria de ser um lugar a ser lembrado com carinho? Por que motivo aqueles estudantes desejariam ficar mais tempo dentro de seus muros? Qual seria o estímulo?
Conta-se que nos governos militares as disciplinas de Sociologia e Filosofia, anteriormente eram comuns no programa escolar, foram substituídas por Educação Moral e Cívica (EMC) e Organização Social e Política Brasileira (OSPB), em uma tentativa clara de embotar o pensamento livre, o questionamento e a contestação daquele estado de coisas. Lembro-me de um livro de EMC, com um texto ilustrado, mostrando Joãozinho a furtar algo num supermercado. Lição de moral simplista que resumia a boa conduta a não roubar.
Analfabetos funcionais
Em 2012 o Instituto Paulo Montenegro, de São Paulo, apurou que o percentual de pessoas alfabetizadas e que concluíram o ensino médio no Brasil era de 35%. Significa que 65% dos estudantes brasileiros considerados capazes de ingressar no ensino superior são analfabetos funcionais, ou seja, incapazes de interpretar textos simples ou realizar operações matemáticas que vão além das quatro operações básicas. Isso é ultrajante, vergonhoso e alarmante!
Para não citar dados de uma única fonte é bom dizer que um trabalho desenvolvido para o Banco Mundial, em 2007, pelos economistas Ludger Wößmann e Eric Hanushek, The Role of Education Quality in Economic Growth (O Papel da Qualidade da Educação no Crescimento Econômico) confirma nossa deficiência. O estudo mostra que 66% dos adolescentes brasileiros com idade entre quinze e dezenove anos, e que concluíram o ensino fundamental, são considerados analfabetos funcionais. Há muito mais dados estarrecedores sobre educação no Brasil, espalhados pelo mundo todo.
Na manhã em que escrevi este artigo, acordei com a notícia de que a Câmara Municipal de Curitiba decidia sobre a liberação da cervejinha dentro dos estádios, como se não houvesse coisas bem mais importantes no momento. Pessoas eleitas pelo desensino, suavemente legislando nosso futuro. Pobre Eunice.