Maio de 2021 foi mais um mês em que diversas mães, ao invés de comemorarem o dia delas ao lado de seus filhos, choraram a morte deles. No dia 6 de maio, uma operação da Polícia Civil no Jacarezinho, comunidade localizada na Zona Norte do Rio de Janeiro, deixou ao menos 28 mortos e um cenário de guerra. Poças de sangue, cápsulas de balas no chão e depoimentos chocantes dos moradores comprovam a violência da operação que violou a ADPF 635. Conhecida como ADPF das Favelas, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determina a suspensão de operações policiais nas favelas e periferias do estado do Rio de Janeiro durante a pandemia causada pela covid-19.
Também foram em outros Maios em que dois movimentos extremamente importantes nasceram. Em 2006, como reação à morte de 564 pessoas no estado de São Paulo – a maior parte delas a partir de ações de agentes do Estado –, surgiu as Mães de Maio. Quinze anos depois do massacre, as mães das vítimas (a maioria jovens, negros e periféricos) seguem lutando por justiça e memória, e pelo fim da impunidade.
A luta das Mães de Manguinhos é a mesma. Formado por mães da comunidade carioca homônima, o grupo participa de eventos diversos, protagoniza documentários e, o mais importante: vai às ruas para defender a vida da juventude negra periférica. Seja no Rio de Janeiro, em São Paulo ou em qualquer outra cidade brasileira: o genocídio da população negra está em curso e esse cenário desolador tem como principal frente o extermínio da juventude negra.
É ensurdecedor o silêncio da sociedade e da mídia brasileira diante do horror que vivemos. Também impressiona a ausência de reflexões críticas sobre casos que expõem as contradições brasileiras. Por que a comoção em torno da morte de Henry Borel não é proporcional ao desaparecimento de Lucas Matheus, Alexandre da Silva e Fernando Henrique (ambos no estado do Rio de Janeiro)? Por que o Brasil não parou quando tio e sobrinho Bruno Barros e Yan Barros foram mortos depois de furtarem quatro pedaços de carne na mesma semana e na mesma cidade (Salvador) em que uma mulher branca desceu de um carro de luxo e furtou um queijo sem ser incomodada, afinal, não era desejável criar um “constrangimento”.
Já na década de 1970, Lélia Gonzalez colocava o dedo nessa ferida histórica. Seus textos “A juventude negra brasileira”, “Mulher negra: um retrato” e “O terror nosso de cada dia” são alguns exemplos da preocupação de Lélia com a violência em torno da população e da juventude negra, e seus impactos nos familiares que ficam.
Também foi com Lélia que conhecemos Marli Pereira Soares, a Marli Coragem. Mulher negra e periférica, Marli testemunhou a morte do irmão pela Polícia Militar em plena ditadura militar (1979). Ela sofreu represálias, precisou se proteger para se manter viva e, em 1980, viu os responsáveis pela morte do irmão serem presos. Anos depois, seu filho também foi assassinado pela polícia.
Que tipo de Estado permite que algumas pessoas morram e que outras possam viver? Que Estado é esse que vê, ano após ano, os números de homicídios de pessoas negras aumentarem e aqueles referentes a pessoas não-negras, diminuírem? Que Estado é esse que insiste na manutenção do racismo estrutural e estruturante em todo seu sistema de justiça? São inúmeras perguntas. São cansativos silêncios de conivência.
Por último e não menos importante, convido vocês a conhecerem o perfil Preto.Vivo, que coloca luz na luta contra o genocídio negro. O movimento – que me foi apresentado pelo colega Augusto Alencar, integrante do Nossa Causa – clama por justiça em casos que vidas negras foram ceifadas, como a de João Pedro Matos Pinto, 14 anos, morto por um tiro de fuzil dentro da própria casa, no dia 18 de maio de 2020.
A iniciativa do Preto.Vivo pretende alcançar todos os estados do Brasil e estabelecer a data da morte de João Pedro como o Dia Nacional de Luta Contra o Genocídio da Juventude Negra.
Aprendo muita coisa com o movimento de mães e familiares de vítimas da violência policial. Dentre os diversos aprendizados, destaco o lema “Sem justiça não há paz”.
Não há escolha: seguimos lutando.
Maíra de Deus Brito