Engajamento digital (ED) tem tudo para ser o próximo passo no uso e gerenciamento de mídias e redes sociais no Terceiro Setor brasileiro. O conceito ainda está em evolução e, como tudo que se refere ao mundo digital, avança mais rápido, ainda que de maneira distinta, no setor privado. Já se pode apostar, no entanto, que o ED tem o potencial de transformar, de maneira positiva, as relações entre o Terceiro Setor e a sociedade mais ampla. O fato de estar em construção significa que você e sua organização podem (e devem) ajudar a construí-lo.
Se você está preocupado com os “imbecis” de Umberto Eco, saiba que essa é uma discussão antiga. Em 2010, o jornalista canadense Malcolm Gladwell já havia criticado as redes e mídias sociais em um célebre artigo publicado na revista The New Yorker com o provocativo título “Pequena mudança: porque a revolução não será tuitada”. Enquanto Gladwell questionava a ideia de que o ativismo digital poderia substituir o ativismo tradicional, o ED aproxima os dois universos ao propor possibilidades concretas de interação entre comunidades online e o mundo real com os objetivos de promover a agenda e os projetos de organizações e movimentos sociais, ampliar seus impactos, mobilizar apoio (inclusive financeiro) e fortalecer sua capacidade de exercer influência sobre outros setores da sociedade.
O engajamento digital em organizações internacionais
Grandes organizações internacionais já vêm trabalhando há algum tempo com o conceito de ED, mas parece haver um esforço recente de incorporar princípios e práticas em um nível mais estratégico. A Fundação Rockefeller, baseada nos EUA, utiliza ED para aprofundar o relacionamento entre seus públicos externos (parceiros, empresas, poder público, sociedade) e internos (suas equipes de programa, comunicação e marketing), estimular a colaboração entre as várias áreas da organização, utilizar de maneira eficiente e apropriada os big data (a quantidade enorme de dados e informações geradas pelos meios digitais) para a tomada de decisões e para criar novas formas de ouvir e compartilhar ideias inovadoras. Para implementar essa estratégia, a Rockefeller criou uma área, chamada simplesmente de Digital, considerada uma inovação entre grandes fundações filantrópicas. Em uma entrevista ao blog do site Social Velocity em agosto último, Jay Geneske, diretor do Digital da Fundação Rockefeller, comentou os principais desafios da iniciativa.
O foco principal do Digital é exercer influência. Uma campanha via Twitter planejada cuidadosamente pode influenciar gestores de políticas públicas a priorizar o aumento da capacidade de resiliência de uma cidade diante de seus problemas. Um e-mail marketing segmentado cujo conteúdo seja baseado em dados pode fazer com que um expert pense de forma inovadora sobre a resolução de um problema ambiental ou social. Uma postagem bem escrita em um blog distribuído via Medium, LinkedIn ou outra rede social pode conectar a equipe da fundação a um importante parceiro no setor privado,
diz Geneske.
Geneske lembra que a missão da Fundação Rockefeller é melhorar o bem-estar da humanidade. “Para realizar essa missão”, ele diz, “devemos trabalhar de forma adequada em um mundo que passa por rápidas mudanças e no qual, de modo especial, a tecnologia e a maior interconectividade aceleram transformações e alteram o modo de vida das pessoas”.
Alcance X influência
A estratégia de ED da Fundação Rockefeller tem papel fundamental em uma de suas principais iniciativas, o projeto 100 Resilient Cities, que ajuda cidades a se adaptar a uma “nova normalidade” de disrupção contínua. Nesse projeto, Geneske diz, “o foco é influenciar líderes nos setores público e empresarial a investir no aumento da capacidade de resiliência das cidades para os desafios físicos, sociais e econômicos que enfrentam”. A experiência tem destacado a importância do conteúdo para que se tenha mais influência. “Nossa estratégia editorial multicanal é centralizada na criação e curadoria de conteúdo relevante, perspicaz e vibrante, que nossa audiência considera pronto para uso em atividades de incidência política. É incrível ver como esse conteúdo viaja através das redes sociais e atinge especialmente políticos e líderes empresariais”, Geneske comenta. Ele alerta, porém, para a confusão entre alcance e influência. “Embora o crescimento seja importante, nosso foco tem sempre sido exercer influência sobre uma determinada audiência, e nem sempre essa audiência tem seguidores em uma conta no Twitter”.
A menção ao marketing de conteúdo mostra o potencial de métodos e ferramentas de marketing digital para o Terceiro Setor. Imensamente popular no setor privado, já existem no Brasil agências e consultores especializados em produção de conteúdo para grandes e médias empresas. No entanto, blogs corporativos apontam que é uma tarefa árdua produzir conteúdo relevante que atraia e crie valor para a sociedade no contexto de empresas que estão tentando vender algum produto.
Marketing de conteúdo para organizações sociais
Ironicamente, a mesma formulação parece bem mais apropriada para organizações e movimentos sociais, que produzem informações relevantes em seus vários projetos, pesquisas e iniciativas que têm grande valor para profissionais, ativistas e comunidades envolvidos. O desafio é transformar esse material bruto em conteúdo que engaje apoiadores de vários tipos e influencie tomadores de decisão nos vários setores.
Com esse fim, Geneske vem estimulando o uso de storytelling (ou técnica narrativa, em tradução livre) e criou uma ferramenta digital gratuita, o Hatch for Good. “Nunca houve tantos meios para alcançar audiências. E nunca foi tão difícil ‘alcançá-las’ de fato”, ele diz. “Também notei um rápido aumento no número de empresas que incorporam mensagens e histórias falando em mudança social de forma questionável em suas estratégias de comunicação. Me preocupa que as organizações que trabalham para gerar impacto social de fato sejam aliadas”, ele completa.
O storytelling e o Hatch for Good ajudam organizações e movimentos a escrever narrativas de maneira estratégica, de forma criativa e estruturadas para atingir resultados mensuráveis. Para Geneske, narrativas elaboradas dessa forma podem destacar de maneira especial aqueles problemas graves que as organizações e movimentos sociais tentam solucionar e que afetam diretamente a vida de milhões de pessoas. Quando narrados de maneira efetiva, esses problemas podem atrair e engajar mais apoiadores, criar laços de confiança para o trabalho em rede e mobilizar comunidades e a sociedade.
Saiba mais
Entrevista de Jay Geneske no Social Velocity: http://www.socialvelocity.net/2015/08/using-to-digital-to-influence-social-change-an-interview-with-jay-geneske/
Artigo de Malcolm Gladwell na The New Yorker: http://www.newyorker.com/magazine/2010/10/04/small-change-malcolm-gladwell