Por: Marcelo Estraviz
São os indivíduos que financiam as organizações da sociedade civil. Traduzindo: nós, pessoas comuns, financiamos causas. Não é o governo nem as empresas. Portanto cabe a nós a mudança. São nossos os erros e os acertos.
Em tempos de discussão do financiamento dos partidos e campanhas, me parece oportuno observar o perfil das pessoas que contribuem com causas. Estamos em um período propício para dar o salto de financiarmos a política?
Pesquisa do CETIC (TIC Organizações sem fins lucrativos 2014) mostrou que mais da metade das organizações brasileiras recebem doação voluntária de pessoas físicas. O resultado é fundamentalmente positivo pois esse é o modelo no mundo, e agora o observamos também no Brasil. Isso significa que não é mais culpa do governo, nem da corrupção, nem dos empresários. Cabe a nós a definição do que queremos. Financiamos aquilo que acreditamos. E “não financiar” é também uma decisão tomada.
Nos Estados Unidos, os indivíduos respondem por 70% do financiamento das organizações. Isso corresponde a mais de 300 bilhões de dólares. Mais de um trilhão de reais, com o câmbio atual.
Com os dados da pesquisa, finalmente temos fundamentos para concluir que o Brasil não está muito distante dos países desenvolvidos e democráticos, quando falamos em financiamento da sociedade civil. Não havia até hoje instrumentos para comprovar isso. A pesquisa CETIC muda esse cenário.
Uma outra pesquisa, realizada pela organização Directory of Social Change (DSC), apontou que, de tudo que uma organização da sociedade civil britânica tem de financiamento, apenas 2% é originário de doações realizadas por empresas, um percentual ainda menor que o verificado na pesquisa sobre as organizações americanas, que é de 5%.
Não existem pesquisas consolidadas sobre o quanto é doado no Brasil, e qual a origem das doações. Uma pesquisa chamada “Doadores no Brasil”, de 2011, resultado de um trabalho desenvolvido pela empresa RGARBER com a organização ChildFund Brasil, apontou a existência de 17 milhões de doadores recorrentes no país, que contribuíam com uma média de 25 reais por mês. O valor total doado no país em 2010, para organizações da sociedade civil, chegava a cinco bilhões e quinhentos milhões de reais. Calcula-se que empresas e fundações no Brasil invistam entre 2 a 4 bilhões de reais, incluindo aí incentivos fiscais. Um valor portanto bem abaixo das doações de indivíduos.
A pesquisa TIC Organizações sem fins lucrativos 2014 é, portanto, um marco. Primeiro porque ela resolve um impasse no que se refere às pesquisas brasileiras envolvendo Terceiro Setor: há pouca série histórica, há muito descontinuísmo.
Segundo porque reflete finalmente o que os profissionais do campo da captação já intuíam: quem financia prioritariamente a massa das organizações brasileiras é o indivíduo. Nem de longe são as empresas (que estão em quinto lugar entre as fontes de recursos pesquisadas) nem o governo federal, que está em oitavo na lista.
O primeiro lugar nas origens de recursos está nas doações voluntárias de pessoas físicas. O que nos termos técnicos da captação de recursos denominamos de doações avulsas. Isso é aquele cidadão que foi chamado a doar pela primeira vez e algumas vezes acaba sendo a única vez, porque a própria organização não tem estrutura ou capacidade de fidelizá-lo com outras doações.
Em geral essas organizações são aquelas que trabalham solicitando como uma eterna primeira vez, mesmo quando por vezes o doador é o mesmo. Basta imaginar uma igreja que todo domingo pede para que circule a sacolinha. O doador que coloca ali suas moedas ou notas pode já ter colocado dinheiro na missa do domingo passado, mas para aquela congregação o entendimento é de que se trata de uma doação voluntária e portanto nova, a cada vez que o fiel contribui. Organizações mais preparadas tecnologicamente ou mesmo com uma certa gestão mais profissional percebem formas de fidelizar o doador.
Aí entra o segundo colocado na mesma pesquisa, as mensalidades e anuidades pagas. Também em uma faixa próxima a 50% dos entrevistados, esse mecanismo está presente nas organizações como uma opção que garante muito provavelmente o custeio das atividades cotidianas. São ONGs com uma característica associativista, baseada em recursos provenientes de defensores da causa, e algumas vezes até sócios mantenedores por interesses de pertencimento, como os Rotarys ou Lyons.
O que chamamos de captação de doações recorrentes é na verdade a forma mais profissionalizada de garantir a sobrevivência das organizações que defendem causas.
Um Brasil mais estruturado no Terceiro Setor teria esta origem (as doações recorrentes, ou como denominado na pesquisa, as mensalidades e anuidades) como a principal fonte de ingresso. Pois isso representa uma cidadania sendo exercida em sua plenitude: cidadãos que não só conhecem seus direitos e deveres como selecionam as causas que defendem, continuamente, de forma transparente e associativa.
As empresas tem como foco o lucro. Não há no horizonte de suas discussões recentes nenhum sinal de ampliação de seus investimentos sociais. Nas últimas décadas o valor de suas contribuições oscilou muito pouco, e em geral para baixo em períodos de crise. Uma pesquisa na Austrália, analisando os investimentos das empresas na área social nos últimos 30 anos mostrou que o valor atualizado se manteve.
Uma empresa que objetiva o lucro, qual interesse tem em apoiar um partido ou outro? Um político ou outro?
Voltemos ao tema dos indivíduos, o que nos fez querer escrever este artigo: a situação das organizações brasileiras está muito mais para um Greenpeace, que arrecada somente com indivíduos, do que alguma organização, que arrecada com empresas.
Estamos muito mais próximos de um Médicos Sem Fronteiras (MSF), que tem mais de 170 mil doadores mensais, do que uma organização de saúde que necessita de recursos de governo. E falando em MSF, somos hoje muito mais um país exportador de doações (já que os recursos dos doadores dos Médicos sem Fronteiras vão atualmente para países na África) do que importadores de doações, como éramos faz 30 anos e a cooperação internacional nos via (e éramos) de terceiro mundo.
Que venham mais pesquisas, cada vez mais interpretando os caminhos que percorrem essas organizações do Brasil nos mundos da tecnologia disponível. Como está o envolvimento dos doadores nas páginas eletrônicas de doação destas organizações? Como se ampliam as captações das entidades através de sua presença e pedidos nas redes sociais? Se hoje 1 a cada 4 organizações fazem pedidos de captação nas redes onde estão, quais esses resultados e como eles estão se comportando em comparação aos mecanismos tradicionais de doação?
Falta portanto que sigamos pesquisando as novas sacolinhas cada vez mais virtuais das organizações. Esse passar o chapéu que hoje se faz com gateways de pagamento. Caminhando a passos largos para os próximos 10 bilhões de reais anuais da força dos brasileiros comuns, doadores ocultos dentro e fora da web.
Acredito fortemente no financiamento de campanhas e partidos. O que está difícil é acreditar nos políticos. Sigo doando para as ONGs.
Isto é um remix sobre o artigo escrito por mim e João Paulo Vergueiro para a publicação da pesquisa TIC ORGANIZAÇÕES SEM FINS LUCRATIVOS 2014 realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação CETIC.BR. Foquei nesta publicação o tema de financiamento de campanhas por indivíduos. O artigo original trata dos dados da pesquisa.