Em uma matéria sobre a crise de emprego, escrita em 2014 por Rukmini Banerjee e publicada na Forbes, a autora compartilha uma reflexão: uma vez que 60% dos empregadores dizem que os candidatos apresentam lacunas de habilidades interpessoais e de comunicação (as chamadas soft skills*), será que vivemos uma crise de emprego ou uma crise educacional?
Quando discutimos todos os problemas da atual educação, desde a Educação Infantil até o Ensino Superior e as Pós-Graduações, muito se fala sobre formato de aulas, relação professor-aluno, homeschooling (educação formal em casa) métodos de avaliação, uso de novas tecnologias, ensino por projetos, entre outros. Tudo isso é muito bem colocado e discutido, visto que ainda temos um modelo educacional fordista e unilateral.
O ponto que mais me preocupa, no entanto, é a formação que não estamos tendo para a diversidade. Ah, a diversidade. O fator que garante a nossa sobrevivência na natureza, enquanto seres homo sapiens que somos, é, mais do que uma característica à qual devemos nos atentar, um fator crucial para a nossa existência. Não sobrevivemos sem a diversidade, nem por um segundo. Não fosse a diversidade de gêneros, não haveríamos nós, os frutos da reprodução de nossos antecessores. Não fosse a diversidade de espécies o homo sapiens não existiria como uma das vertentes das famílias primatas. Não fosse a diversidade das moléculas, não haveria água, nem oxigênio, nem gás carbônico, nem alimentos. Dos seres humanos? Nem sinal.
E, saindo um pouco dessa perspectiva homo sapiens no planeta Terra, peço a licença de citar o filósofo e educador Mário Sérgio Cortella.
A Terra é um planetinha que gira em torno de uma estrelinha, que é uma entre 100 bilhões de estrelas que compõem uma galáxia, que é uma entre outras 200 bilhões de galáxias num dos universos possíveis e que vai desaparecer. Veja como nós somos importantes….
Aliás, veja como nós temos razão de nos termos considerado na história o centro do universo. Tem gente que é tão humilde que acha que Deus fez tudo isso só para nós existirmos aqui. Isso é que é um Deus que entende da relação custo-benefício. Tem indivíduo que acha coisa pior, que Deus fez tudo isso só para esta pessoa existir. Com o dinheiro que carrega, com a cor da pele que tem, com a escola que freqüentou, com o sotaque que usa, com a religião que pratica.
(Mário Sérgio Cortella – Você sabe com quem está falando?, em Qual é a tua obra.)
Por que tantas barreiras?
Diante de toda essa amplitude e da diversidade de elementos existentes no mundo, nós, seres humanos, somos muito poucos (ainda que em sete bilhões) e somos muito mais parecidos do que queremos imaginar. Na verdade, somos muito mais parecidos até com outros mamíferos do que o senso comum poderia afirmar (seja sempre cauteloso ao que o senso comum diz!).
![Foto: RevistaEducação Infantil](https://nossacausa.com/wp-content/uploads/2015/06/diversidade.jpg)
E ainda assim, gastamos boa parte de nosso curto tempo de vida reforçando diferenças – exatamente as que nos enriquecem como sociedade e como espécie – como grandes e intransponíveis barreiras para a convivência. Ouso dizer que um dos motivos da sociedade ser algo tão complexo está no fato dela conter tanta diversidade em seres biologicamente tão semelhantes, mas ainda pouco aptos para tirarem o máximo proveito dessa diversidade e de seu potencial colaborativo (falarei mais sobre isso aqui posteriormente).
Naturalmente, ou melhor, socialmente, quando falamos de diferenças e igualdade, no que diz a condições dignas de vida, é sempre bom lembrar o professor e pesquisador Boaventura Souza Santos:
Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.
Essa sua afirmação é um embasamento claro para as políticas afirmativas: ser iguais quando a diferença inferioriza, ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza. Ou seja, quando a diferença inferioriza, é preciso criarmos oportunidades para que os diferentes estejam no mesmo patamar, sem nenhuma inferiorização. E, quando a igualdade descaracteriza as nossas individualidades e os componentes que nos formam culturalmente, a diferença deve ser estimulada.
Assim, para quem compartilha o desejo de se viver em um mundo menos desigual no que diz respeito a oportunidades e condições básicas de vida, não podemos escapar do trabalho por uma sociedade que não só “aceite”, mas abrace a diversidade e saiba usá-la para o bem coletivo. Sim, isso pode soar bastante curioso, mas aceitar e reforçar a diversidade é essencial para se diminuir a desigualdade de condições de vida.
Como transformar a partir da educação?
Hoje em dia, muitos – para não dizer quase todos – dos conteúdos relevantes para um estudante se alfabetizar ou se preparar para o vestibular, estão disponíveis online. Mas, na prática, uma pessoa precisa de muito mais do que isso para exercer plenamente suas potencialidades. E é no ambiente escolar e nos ambientes de convivência das crianças que esse aprendizado pode se dar de forma sistêmica, apesar de objetivamente estarem fora do currículo da maior parte das escolas.
![11Carlos-Botelho-State-0Park-img_8841](https://nossacausa.com/wp-content/uploads/2015/06/11Carlos-Botelho-State-0Park-img_8841.jpg)
Nesse aspecto, de acordo com o psiquiatra chileno Claudio Naranjo em entrevista à Época, os pais podem exercer uma grande influência. “Muitos pais só querem que seus filhos sigam bem na escola e ganhem dinheiro. Acho que os pais podem começar a refletir sobre o fato de que a educação não pode se ocupar só do intelecto, mas deve formar pessoas mais solidárias, sensíveis ao outro, com o lado materno da natureza menos eclipsado pelo aspecto paterno violento e exigente. A Unesco define educar como ensinar a criança a ser. As Constituições dos países, em geral, asseguram a liberdade de expressão aos adultos, mas não falam das crianças. São elas que mais necessitam dessa liberdade para se desenvolver como pessoas sãs, capazes de saber o que sentem e de se expressar. Se os pais se derem conta disso, teremos uma grande ajuda. Eles têm muito poder de mudança.”
Essa percepção e mudança de atitude vinda dos pais é de grande valia para o desenvolvimento de crianças e jovens. No entanto, para adultos que tiveram essa lacuna em casa, a situação não se torna melhor nos espaços de aprendizagem e socialização, uma vez que, como diz Banerjee em seu artigo da Forbes:
Habilidades como resolução de problemas, liderança, trabalho em equipe, empatia e inteligência social/emocional ainda estão sendo deixadas fora do currículo da maior parte das escolas, o que contribui para o ampliamento da lacuna de talentos (no mercado de trabalho).
Como seres gregários – que vivem em comunidade – que somos, saber abraçar e potencializar a diversidade talvez seja a habilidade mais sensível e mais crucial para que pessoas – e a sociedade, em última instância – sejam bem sucedidas nessa curiosa tarefa que é existir. Talvez esteja na hora de iniciarmos essa discussão em nossos círculos de convivência. Entre os movimentos que têm feito isso muito bem, destaco o Movimento Entusiasmo, que está pintando, bordando e poetizando com as crianças que frequentam a Escola Municipal de Educação Infantil Gabriel Prestes, no centro de São Paulo, para muito além dos limites da escola. Grupos que discutem e ensinam a Comunicação Não Violenta, como a Carol Nalon, da Tiê Coaching em seu curso Caminho para a Comunicação Autêntica, também são bons exemplos de como despertar e desenvolver habilidades de se entender e de se fazer entender nesse mundo respeitando a diversidade existente em nossos pares. Também gosto muito das ações que provocam a convivência da diversidade pela ocupação do espaço público, como A batata precisa de você, e daquelas que dão destaque a invisibilidades sociais como forma de incluí-las, como faz o Pimp my carroça.
Independente das atividades já existentes endereçadas ao desenvolvimento das habilidades interpessoais mais sensíveis das pessoas, o caminho é longo e ainda há muito a ser feito. Por isso, que tal iniciar essa provocação entre seus amigos ou em seu local de trabalho?
*Sobre soft skills: em português, são as habilidades relacionadas à Inteligência Emocional das pessoas, que incluem relacionamento interpessoal, empatia, liderança, comunicabilidade, etc.