Não, este texto não é nenhuma iniciativa do tipo “o importante é competir”. Não se trata de um texto sobre ranqueamento. É apenas uma ideia simples que dá poder a quem não é muito lembrado. Pra explicar, vou te contar uma história simples e banal.
Certa vez, em um show bacana de uma banda independente, a música era boa e contagiante. Mas existiam cadeiras. Cadeiras que praticamente prendiam as pessoas em seus lugares, fazendo com que ninguém fosse lá na frente “pirar” junto com a banda. O “primeiro” fez aquilo que nasceu pra fazer, não conseguiu resistir ao seu impulso, foi lá na frente e começou a fazer sua própria festa. Passaram-se alguns minutos de “vergonha alheia” até que algo realmente importante aconteceu. O “segundo” foi até lá para dançar com ele. E depois do “segundo”, vieram os “terceiros” que se levantaram de suas cadeiras e fizeram o que deveriam ter feito desde o início: se divertir.
O segundo: viu. O segundo: foi convencido. O segundo: dançou. E graças ao segundo os terceiros vieram. Os terceiros foram convencidos e os terceiros dançaram. A pergunta é: quem é o mais importante nesse pódio de influência? Rapidamente, dezenas falariam que o mais importante é o primeiro. Simples, fácil. Mas se perguntamos, qual desses 3 tipos de pessoa mais sentimos falta para as mudanças? Falo rápido: o segundo. Por quê? Porque o primeiro sempre existe, ele é como uma falha do próprio sistema, é produto das regras. Para existir a regra, precisamos de sua exceção. Logo, nada mais natural que existam Marxs que idealizam o socialismo. É o contraponto da regra do capitalismo.
Lembro da cena do filme “Matrix – Reloaded”, em que o protagonista Neo tem uma conversa com o programa que criou a realidade virtual em que toda a humanidade está presa. O arquiteto, assim chamado, fala que Neo não é o primeiro “escolhido” para ir contra o sistema, já é a sétima ou oitava versão e que ele estava preparado para lidar com isso. Afinal, o sistema só funciona com esse efeito colateral. Independente da vontade ou não da humanidade. O primeiro vai existir. É a regra da estrutura, existirão pessoas que mudam o seu redor, ou que pensam diferente, sempre. Agora pensem nas segundas pessoas portadora das ideias do primeiro. Nem sempre elas existem, nada mais comum do que a descrença na mudança, do que a sátira.
O segundo é o mais importante, pois é ele que faz a ligação do visionário ao resto, ele que tem o papel da verdadeira mudança, de propagar o novo, de convencer o que não é simples e possui principalmente a sensibilidade para perceber o que vale apostar.
Precisamos de mais segundos lugares com sensibilidade para que o mundo gire. Existe aquele ditado: uma andorinha só não faz verão. Provavelmente nem duas conseguiriam. Mas garanto que se existisse uma segunda andorinha que fosse comunicativa o suficiente para convencer todo o resto da floresta para ajudar na empreitada, sentiríamos cheiro de mudança no ar.
Não se engane, para ser segundo é preciso coragem. O primeiro já é estranho por natureza, ele não sabe ser outra coisa senão o primeiro, dificilmente sabe se comunicar com os terceiros. Por isso, a coragem do segundo.
Ele é por natureza um diplomata daqueles que fala para o resto “Hei, olha aqui, tem uma boa coisa, vejam! Vejam!”. É muito mais corajoso do que o primeiro, porque ele tem algo que o primeiro não tem: opção. Poderia ficar calado. Não se arriscar, porque, ele sim, tem algo a perder. Mas, corajoso, ele vai lá e dança ao lado do primeiro para que a festa aconteça.
O mundo precisa de mais intermediários corajosos. Que arriscam. Que se expõem. Que traduzem o que os terceiros não entendem. Se você é o primeiro, você não tem escolha. Se você tem escolha, escolha ser o segundo.
[highlight]Veja também: Somos faróis com pernas[/highlight]