Em 2019, os jornalistas se depararam com uma situação inusitada: os gritos vieram da página do Jornal Nacional, diante de uma foto da Maria Júlia Coutinho, a Maju. Os comentários abraçavam o racismo em comentários como “só conseguiu emprego no JN devido às cotas, preta macaca” e “não tenho TV colorida para ficar olhando essa preta, não”. A jornalista também recebeu comentários machistas, como “vagabunda”.
Claro que a avalanche de comentários gerou revolta e apoio à jornalista, não só por parte dos internautas, como também pelos colegas de redação. Porém, o choque da realidade bateu à porta de muitas pessoas.
Ser uma mulher negra no Brasil não é apenas um desafio – é um tormento que precisou e continua precisando ser debatido.
Por que isso aconteceu?
As mulheres negras correspondem a 25 milhões de pessoas, cerca de 28,5% da população brasileira (Fonte: relatório sobre desenvolvimento humano do Pnud, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). E, historicamente, suas figuras, na sociedade, sofrem confrontos históricos, o que não foi e não está sendo resolvido.
De acordo com Walkyria Chagas, pós-graduada em Direito do Estado Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça pela Universidade Federal da Bahia, o período escravocrata deixou como herança o pensamento popular, em que, as mulheres negras só servem para trabalhar como domésticas ou exibindo seus corpos.
Pense na sociedade como uma escada: em primeiro lugar, está o homem branco e no último degrau, abaixo de todos os níveis sociais, está a mulher negra. Não importa de onde ela veio, não importa a sua formação, não importa a quantidade de dinheiro que ela tenha, seu valor social não muda e cai em desvalorização o tempo todo.
A posição social do negro não se baseia apenas na possibilidade de aquisição ou consumo de bens. Ainda há uma grande dificuldade da sociedade brasileira em assumir a questão racial como um problema que necessita ser enfrentado. Temos a tendência de fechar os olhos e tapar os ouvidos, recontar a história a ponto dela ser esquecida, mas continuamente praticada.
Enquanto esse processo de enfrentamento não ocorrer, as desigualdades sociais baseadas na discriminação racial continuarão, e, com tendência ao acirramento, ainda mais quando se trata de igualdade de oportunidades em todos os aspectos da sociedade.
Mulheres como Maju, Beyoncé, Viola Davis, Oprah, Taís Araújo e muitas outras são parteiras de possibilidades. O futuro é negro e é feminino – é aquele que começa na base da escada e escala até o topo.
Os gritos continuarão acontecendo, a história continuará sendo tampada e o racismo será repetido incontáveis vezes. A potência da mulher negra, por outro lado, é reconhecidamente capaz de se alimentar da dor para alavancar o seu potencial e abrir portas para as outras que veem atrás.
O Brasil continuará sendo um país com cenários perturbadores em relação às desigualdades sociais e à discriminação contra gênero, classe, cor e sexualidade. O que podemos fazer, no entanto, é nos munirmos da experiência adquirida em comunidade, em força conjunta, e no reconhecimento de que não estamos sozinhas. Pouco a pouco, uma por uma (e todas por todas), continuaremos caminhando para um futuro equitativo, mais justo e mais humano.
Sou Camila, 23 anos, jornalista, branca, classe média e não faço ideia, por mais que eu tente, do que é ser mulher negra no Brasil. E você, conseguiu responder? Aliás, se você é negra e não se sente representada ou quer abrir mais um canal de discussão sobre o que você pensa, se cadastre para ser colaboradora do Nossa Causa.