Este texto foi escrito pelo escritório de Advocacia Hamilton de Oliveira, em parceria com a Phomenta, no dia 24 de março de 2020, e gentilmente cedido para publicação no Portal Nossa Causa.
Diante da pandemia da doença COVID-19, causada pelo novo coronavírus, o dia a dia das empresas e organizações sociais está sofrendo drásticas mudanças. As relações jurídicas serão imediatamente impactadas e alteradas profundamente. Para isso, é muito importante que os gestores estejam cientes das regras e dos pontos a se atentar nesse momento, buscando o cumprimento das normas jurídicas e evitando problemas nessas áreas, no curto, médio e longo prazo.
Aviso legal:
As questões aqui descritas se tratam de análise feita até a data de publicação do presente texto, sendo que diante do atual cenário de instabilidade jurídica, com publicação e alteração de legislação quase que diariamente, antes da tomada de qualquer decisão deverão ser analisadas as normas em vigor em referido momento, evitando assim qualquer prejuízo para as partes.
Obrigações Estatutárias
As ONGs são criadas e regidas pelos seus Estatutos, que podem ou não trazer regras que se tornarão difíceis de serem cumpridas no atual momento. Uma delas é a realização de assembleias gerais para deliberação sobre eleição de diretoria, aprovação de contas, etc.
Com a determinação, pelas autoridades, de isolamento social, tais reuniões não poderão acontecer, ao menos não presencialmente. A sugestão é a realização das reuniões, quando possível, de forma virtual, por teleconferência ou outro meio online. Caso haja a necessidade de ser presencial, as decisões podem ser tomadas de forma remota, agora, e referendadas mais adiante, quando o estado de isolamento for suspenso.
De toda forma, o cumprimento das obrigações acessórias às Assembleias deve ser observado, como por exemplo a convocação a todos os associados, com a publicação do edital com a pauta da reunião, etc.
Além da realização virtual da Assembleia a sua convocação também deverá obedecer esta mesma forma, por e-mail ou através da afixação do edital no website ou página de rede social, etc. Consulte um profissional do direito para garantir que as obrigações estatutárias estão sendo cumpridas.
Questões trabalhistas
Como maneira de orientar e auxiliar os empregadores durante esse período em que foi decretado estado de calamidade pública, com determinações para todos os trabalhadores que prestam serviços em áreas não essenciais (assim consideradas comércio de comidas, bebidas e produtos de limpeza, indústria, postos de gasolina e hospitais), foi editada pelo Presidente da República a Medida Provisória 927/2020, a qual dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado acima referido.
Em referida Medida Provisória, é viabilizado aos empresários a celebração de acordo individual escrito, visando garantir a permanência do vínculo empregatício, sendo que tal acordo individual possuirá preponderância sobre demais instrumentos normativo, legais e negociais, desde que respeitados os limites previstos na Constituição Federal.
Diante disso, poderão ser adotados pelos empregadores as seguintes medidas, para manutenção do emprego:
I – Teletrabalho: o regime de trabalho poderá ser alterado de trabalho presencial para teletrabalho, trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância – assim considerado aquele em que a prestação de serviços se dá de forma preponderante ou total fora das dependências do empregador -, por funcionários, estagiários e aprendizes da empresa, e após o término do estado de calamidade pública o retorno ao trabalho presencial, independente da existência de acordos individuais ou coletivos (firmados com o Sindicato representante da categoria), sendo ainda dispensado o registro prévio da alteração firmada. Para tanto, o funcionário deverá ser notificado da alteração no regime de trabalho com uma antecedência de 48h, de forma escrita ou por meio eletrônico.
II – Antecipação de férias individuais: o empregador poderá adiantar as férias individuais do empregado, devendo comunicá-lo com um prazo de 48h de antecedência, por meio escrito ou eletrônico, devendo ainda informar o período de gozo das férias. Poderá ainda ser negociada a antecipação de períodos futuros de férias – período aquisitivo ainda nem iniciado -, ou do período aquisitivo ainda não finalizado. Entende-se por período aquisitivo a prestação de 01 ano de serviços pelo período de 01 ano para a mesma empresa, para ter direito a usufruir o período de 30 dias de férias. Assim, a MP 927/2020 autoriza que mesmo que esse período de 01 ano não se tenha completado ou ainda iniciado, empregado e empregador poderão negociar a antecipação das férias individuais. Não poderá ser concedido período menor que 5 dias. Essa é uma alteração importante: em condições normais, o terço de férias e a remuneração sobre o período de férias deveriam ser pagos antes do início das férias. Com a alteração acima, o pagamento da remuneração se mantém no 5º dia útil e o terço constitucional pode ser pago até a data de pagamento do 13º.
III – Concessão de férias coletivas: poderá ser concedida férias coletivas, devendo notificar os empregados afetados com a antecedência mínima de 48h, sendo que no presente caso não se aplicam o limite máximo de período anual e limite mínimo de dias corridos previstos na CLT. Fica ainda dispensada a comunicação ao Ministério da Economia e aos sindicatos representantes da categoria profissional. Apesar de não haver previsão na medida provisória acerca da forma de pagamento do terço constitucional, entendo que por analogia pode ser realizado da mesma maneira que disposto acerca das férias individuais, ou seja, a data em que é devida a gratificação natalina (13º salário), sendo que o valor a ser pago a título de remuneração das férias poderá ser pago até o 5º dia útil do mês subsequente.
IV – Aproveitamento e a antecipação de feriados: poderão ser antecipados o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais, sendo que o empregado deverá ser notificado por escrito ou por meio eletrônico com o prazo mínima de 48h, com indicação expressa dos feriados aproveitados. O aproveitamento dos feriados religiosos poderá ser feito, desde que haja expressa autorização do empregado. O banco de horas: a interrupção das atividades do empregador, com instituição de regime especial de compensação de horas por meio do banco de horas, o qual deverá ser estabelecido através de acordo coletivo ou individual de trabalho, sendo que as horas deverão ser compensadas no prazo máximo de 18 meses, contados a partir do encerramento do estado de calamidade pública. A compensação poderá ser feita mediante prorrogação da jornada em até 02h00.
Contudo, independente das medidas extraordinárias previstas na Medida Provisória 927/2020, na CLT já existia a previsão de algumas poucas medidas que podem ser utilizadas no presente cenário. Uma delas é prevista contida nos artigos 501 a 504 da CLT, que prevê a redução da jornada de trabalho do empregado, com redução proporcional do contrato de trabalho, com limite de 25%.
Ou seja, poderá ser reduzida a jornada de trabalho até o limite de 25% com redução proporcional do salário. Em tais casos, fica garantido o pagamento de, ao menos, um salário mínimo ao empregado. A redução poderá ser feita através de acordo individual de trabalho sem a necessidade de participação do Sindicato representante da categoria. O período da redução é de 3 meses, podendo ser prorrogada, desde que se mostre indispensável, e será mantida as mesma condições combinadas anteriormente.
Em se tratando de funcionário com os sintomas e que possui atestado médico para afastamento do trabalho, é obrigatória o afastamento deste colaborador de suas atividades, sendo que tal ausência será considerada como falta justificada, ou seja, nenhum desconto poderá ser realizado no pagamento do trabalhador.
Caso o colaborador não possua o atestado médico mas possua os sintomas, ou seja, exista a suspeita de que o funcionário está acometido pela COVID-19, a Lei 13.979/20, em seu artigo 3º, prevê que as ausências deverão ser contadas como faltas justificadas, sendo que as normas de afastamento previdenciários mantêm-se inalteradas – pagamento dos 15 primeiros dias pela empresa e a partir do 16 a responsabilidade é do INSS.
Além disso, as autoridades estão solicitando que esse colaborador permaneça em sua residência e uma das medidas acima sejam efetivadas para que ele permaneça em isolamento social e assim não haja a propagação do vírus.
Com relação ao assédio moral, todas as atitudes tidas como assediadora, elas não se alteram com o estado de calamidade pública. Evitar duvidar da alegação do funcionário de dores e sintomas do COVID-19, sempre prestando a melhor assistência possível e dando todo o apoio necessário durante essa fase.
Cível – Contratos em geral
Primeiramente é importante entendermos qual é, juridicamente, o cenário que estamos vivendo. A excepcionalidade e a falta de precedentes desta pandemia nos permite invocar o artigo 393 do Código Civil, ou seja, as exceções de caso fortuito e/ou de força maior. De maneira direta esta previsão exime o devedor dos prejuízos do atraso ou descumprimento da obrigação assumida em razão da ocorrência de um fato imprevisível e insuperável (ainda que momentaneamente, como o que estamos vivendo.
Se o que foi contratado não puder ser cumprido por conta da situação excepcional atualmente instalada, podem ser suspensas as obrigações – que ainda sejam úteis após o fim deste período –, sem se considerar em atraso ou canceladas aquelas que perderem sua utilidade por conta do tempo transcorrido.
Devemos lembrar que, da mesma forma de quem pede a suspensão/cancelamento (por conta do cenário atual), a parte que tem seu contrato cancelado também está sofrendo os impactos desta crise, devendo-se buscar um meio termo que preserve a boa-fé e o equilíbrio desta suspensão/cancelamento, como por exemplo, suspender o contrato com pagamento de parte do valor, a ser compensado quando da retomada do contrato ou, se impossível essa retomada, ao menos para mitigar os custos já realizados pela parte contratada.
Merecem especial atenção os contratos de locação (de imóveis ou equipamentos), pois estes bens estão à disposição de quem os locou, mas pode ocorrer a impossibilidade de pagar essa locação (por falta de receita). O mesmo cuidado deve ser observado com aqueles contratos que demandam investimentos pelo contratado (fornecimento de refeições prontas). Recomenda-se negociar o mais rapidamente possível esses contratos.
Lembre-se: da mesma forma que você está suspendendo / cancelando aqueles contratos que você receberia, muitas pessoas poderão cancelar as contratações com você (e deixar de pagá-los), por isso é tão importante buscar o equilíbrio e o menor prejuízo a todos.
Alguns exemplos de possíveis negociações:
- Contratos de Compra de produtos alimentícios/perecíveis ou de uso constante (produtos de limpeza ou outros relacionados com atividades suspensas): redução/suspensão das entregas com redução/suspensão dos pagamentos, com compromisso de manter o contrato pelo mesmo período após a crise.
- Contratos de Locação: negociação de redução do aluguel ou pagamento parcial, com retomada do valor contratado após a crise/pagamento da diferença em um número de meses após a crise.
Cível – Cumprimento de Obrigações Judiciais
Caso se tenha uma obrigação fixada por decisão judicial – como por exemplo pagamento de pensão, desconto em folha de pagamento de alimentos ou empréstimos, atendimento determinado Judicialmente ou por contrato – é importante determinar o mais rápido possível se será possível cumprir e, caso não consiga, comunicar a autoridade desta situação excepcional e das alternativas possíveis.
No caso de pensão, o obrigado deve buscar meios de cumprir, ainda que parcialmente essa obrigação, pois quem recebe esses valores depende disso para sobreviver. O mesmo se aplica ao desconto em folha de pagamento de alimentos. Somente se realmente for impossível cumprir essas obrigações, é que a alternativa da redução ou suspensão deve ser considerada.
Tributos
No campo tributário, o Governo Federal editou algumas normas alterando alíquotas e/ou prorrogando o vencimento de tributos. Uma dessas normas é a Resolução nº 152/2020 do Comitê Gestor do Simples Nacional, que prorrogação em 6 (seis) meses do pagamento dos tributos federais recolhidos no regime do Simples Nacional.
Outra medida semelhante é a da Medida Provisória nº 927/2020, que suspendeu a necessidade de recolhimento do FGTS por 3 (três) meses – competências de março, abril e maio, com vencimento em abril, maio e junho.
Medidas regionais também estão sendo tomadas, como isenção de alguns tributos ou suspensão da cobrança e protestos de dívidas não pagas por certo período. Verifique no website das secretarias da fazenda (ou finanças) de seu Estado e/ou Município para saber mais sobre quais medidas tributárias locais podem também te auxiliar nesse momento.
Em caso de dúvidas, entre em contato com a Phomenta clicando neste link.