Tenho o privilégio de comer doce de abóbora feito em tacho de cobre, as abóboras são colhidas no sítio de meus pais, esse doce não troco por nenhum doce industrializado, é doce feito com amor e muita dedicação por uma pessoa muito especial pra mim: meu pai.
Desde que me conheço por gente meu pai faz doces, uma arte que ele aprendeu com sua mãe, vó Benedita. Minha avó e meu avô paterno moravam em uma propriedade rural no município de Taíuva, cidadezinha do interior de São Paulo.
Nessa pequena propriedade passei boa parte de minha infância, minhas férias escolares eram lá. Pra mim, menina de cidade, tudo era uma aventura: dormir à luz de lamparina, tirar água da cisterna, ver minha avó cozinhar no fogão a lenha, assar pães no forno à brasa (espécie de forno parecido com a casa do pássaro João de Barro), andar a pé do sítio até à cidade, passear de carroça, ver minha tia passar roupas no ferro a brasa.
No dia de São Pedro, 29 de junho, meus avós realizavam a Festa Junina, era comemorado também o aniversário de meu avô, Pedro Bolsonaro, nascido no dia 29 de junho.
Na semana que antecedia a comemoração, minha avó fazia tachos de doces variados: abóbora, leite, batata doce branca e roxa, goiaba, cidra, banana e mamão em pedaço. Tinha biscoitos de polvilho e bolos que eram assados no forno a brasa, a bebida era quentão, chá de cidreira e erva doce. Era tanta fartura de comidas e bebidas que hoje me pergunto como ela dava conta de tantos afazeres.
No dia de São Pedro, eram convidados amigos dos sítios vizinhos, vinham as rezadeiras – mulheres que realizavam o terço – pra mim, criança ainda, eram intermináveis as ladainhas de Pai Nosso e Ave Maria. Mas, em compensação, adorava quando era hora de pular a fogueira, os homens disputavam quem pulava mais longe, e lógico, amava quando era servida a comida, que hoje me traz lembranças sensitivas e afetivas prazerosas.
Dessa época restam tanto lembranças que fincaram minha alma com marcas indeléveis, como também os doces que sobrevivem ao tempo, pois tanto papai como mamãe os reproduzem com indescritível sabor.
Dona Marlene e Sr Nelson, como comumente os conhecidos chamam, são pessoas que trazem consigo heranças de meus tempos de menina, filhos de imigrantes italianos, espanhóis e de caboclos, carregam consigo sincretismos religiosos, sabedoria culinária, amor pela terra, pois até hoje têm propriedade rural, e, acima de tudo, integridade de caráter e muito trabalho honesto.
Meus pais deram um duro danado quando morávamos em nove pessoas. Trabalharam na antiga TELESP até aposentarem. Além disso, faziam compras de roupas em São Paulo, varavam duas noites sem dormir, chegavam de madrugada e etiquetavam toda mercadoria até raiar o dia, logo cedo tomavam um café e lá ia os dois bater o ponto na TELESP. Eles administravam o sítio, que por um período foi em Taíuva. Depois venderam lá e compraram aqui em Barretos, interior de São Paulo.
Neste sítio que atualmente meus pais são proprietários, têm várias árvores frutíferas, e todos os frutos lá colhidos são incrivelmente enormes, com certeza devido ao tratamento recebido: amor e dedicação. Quando é época de fazer doce de abóbora papai colhe também alguns cocos, em seguida os abre, tira a casca deixando só a parte branca, bate no liquidificador de maneira que ficam alguns pedaços maiores, e mistura no doce de abóbora, depois leva tudo para apurar. Minha filha Isabella quando pequena denominou esse doce de abóbora com coco de doce de pedrinha, devido aos pedacinhos que ficam no meio do doce, e até hoje – já adulta – o chama assim. Lembranças infantis carinhosas!
E pensa que pararam de trabalhar? Hoje com 75 anos cada um continuam a dar exemplos, ainda produzem e vendem lá do sítio: ovos e frango caipira, leite, queijo, requeijão, doce caseiro, porco, carneiro e mel natural.
75 anos de idade cada um e 50 anos de casados. Ano passado comemoraram Bodas de Ouro e deram de presente para seus filhos, noras, genros e netos uma viagem para um Resort na Bahia, sabe por quê? Para compartilhar a alegria e o amor que eles construíram durante esse meio século de vida em conjunto.
Meus pais estudaram até o quarto ano, hoje denominada quinta série, mas foram capazes de formar quatro filhos e duas netas, construir um lar saudável e amoroso. Quer exemplo melhor? Pessoas que fazem a diferença! Com eles aprendi: o valor do trabalho honesto, a educação dos filhos com amor e carinho, responsabilidade para com a família, a humildade e o respeito para com o próximo, e a caridade principalmente para com os mais necessitados; só não aprendi ainda a fazer o doce de abóbora e o requeijão caseiro.
E por falar em doce de abóbora posso dizer sem sombra de dúvidas que esse é meu preferido. Quem o faz é meu pai, e ele tem todo um processo característico. Começa pela escolha das melhores e mais adequadas abóboras, tem a época certa delas estarem boas, depois são lavadas, descascadas, raladas, em seguida são levadas para cozinhar em tacho de cobre e por fim ele acrescenta o açúcar, que aliás, só ele sabe o ponto ideal.
Já minha mãe faz guloseimas saborosíssimas que também aprendeu com seus pais, por parte paterna a herança veio da Itália e materna veio da Espanha. Dentre muitas iguarias destaco a bacalhoada, a Polenta de cortar na tábua e o Puchero, mas sua especialidade é a rosca doce. Após assada, ela faz uma calda de açúcar e joga por cima da rosca ainda quente, a calda fica marmorizada, ninguém consegue reproduzir com fidelidade essa especiaria.
Esses são sabores e lembranças que se perpetuaram pelo tempo, exemplos que marcaram, saberes que são passados de geração para geração, vivências significativas que foram e são capazes de formar caráter e moldar comportamentos. Isso tornou minha vida – e de muitas outras pessoas – com certeza, uma vida mais saudável e humanizada.
E, quem sabe, quando você que está lendo este texto vier por esses lados do interior de São Paulo, resolva dar uma chegadinha até a casa do Sr. Nelson e Dona Marlene, lá tem sempre uma mesa posta ao entardecer, tem café e um papo descontraído.
Ah, na geladeira tem sempre doces caseiros, e se você tiver sorte experimentará o doce de abóbora com requeijão caseiro.