Embora não seja um assunto novo, acompanhamos nas últimas semanas o racismo como tema principal dos debates públicos, dentro e fora das redes sociais. Quem não tinha contato com a causa anteriormente, conheceu pela internet vozes do movimento negro, leu autores e autoras que não fizeram parte do currículo escolar e descobriu realidades diversas, tristes e absurdas. Muito se falou em pouco tempo. Mas será que isso significa para nós, enquanto sociedade? Será que somos todos racistas?
A equipe da Nossa Causa aprendeu muito sobre racismo nos últimos tempos. No entanto, sabemos que o conhecimento adquirido e os debates realizados são apenas o início de um longo caminho que precisamos trilhar enquanto sociedade. E, para contribuir, queremos compartilhar alguns de nossos aprendizados, esperando que unidas e unidos, possamos seguir na luta antirracista para remodelar nossa sociedade!
A origem e os impactos do racismo
A pesquisadora Lia Vainer Schucman explicou em uma entrevista, a origem da criação do conceito de raça: o conceito foi criado no século 19 por pessoas brancas e européias, com a ideia fictícia de superioridade. O grupo inventor do conceito hierarquizou as pessoas de acordo com sua cor e pele e assumiu que algumas características eram melhores do que outras. Então, os brancos se colocaram em uma posição de superioridade em relação a outros grupos.
O conceito criado de raça gera um fenômeno interessante, em que pessoas pretas e indígenas (na verdade, pessoas não-brancas) são vistas e tratadas como pertencentes a uma raça, mas pessoas branca são tratadas como indivíduos.
A teoria racial, junto a centenas de anos de escravização dos povos negros, gerou enormes impactos sociais e econômicos, que podem ser observados ainda hoje. E, talvez, a principal expressão deles seja a negação de direitos básicos a pessoas pretas, baseada em não reconhecer a humanidade dessas pessoas.
O significado de racismo estrutural
O racismo está na estrutura da sociedade: na política, na economia, nas nossas relações.
Ele faz parte da raiz da construção do nosso país e a forma que vivemos, agimos e pensamos. E quando ele se confunde com a composição da sociedade como a conhecemos, somos levados a pensar que muitas injustiças e absurdos que acontecem diariamente são normais ou naturais.
Perceba como tratar pessoas não-brancas como diferentes ou inferiores foi normalizado. Perceba também que, para muitos, é normal que pessoas não-brancas sejam mais expostas à pobreza, à violência, à condições injustas e humilhantes.
Já percebeu co de estudar em universidades ocupadas majoritariamente por pessoas brancas – na verdade uma parcela das pessoas se incomodam quando dizemos que vidas negras importam? Incomoda também quando pessoas pretas têm acesso a oportunidades que antes eram quase que exclusivas de pessoas brancas, parece incomodar quando pessoas pretas ocupam qualquer lugar que não seja exclusivo para elas.
A manutenção do racismo em nossa sociedade até hoje normalizou que, em um país com mais da metade da população negra, a grande maioria dos nossos representantes políticos sejam brancos, que nossas referências literárias sejam quase 100% de pessoas brancas, que a abordagem policial seja mais dura para pessoas pretas e que a justiça funcione melhor pessoas brancas. Para ficar em apenas alguns exemplos.
Somos todos racistas
Entender que somos TODOS(AS) parte do problema é o primeiro passo.
Como parte da mesma nação e compartilhando da mesma cultura e estrutura social, estamos também imersos na lógica racista, já que a sociedade brasileira é racista em sua origem.
O racismo está em nosso dia a dia, por isso, para combatê-lo devemos estar vigilantes de nossas ações e de ações coletivas que perpetuem injustiças.
“O racismo é algo que, se não tratado, leva ao aprofundamento das crises e compromete o futuro da humanidade”
Silvio Almeida
Como podemos mudar esta realidade?
Independentemente de quem somos e qual é o nosso local de fala, aprender sobre uma causa é o primeiro passo para que possamos entender nosso papel para defendê-la. Mas para ilustrar de uma forma prática e contribuir com possíveis açòes para o seu dia a dia, nós buscamos algumas sugestões, que têm por base o livro Pequeno Manual Antirracista, da filósofa Djamila Ribeiro, para inspirar você:
Perceba o racismo em você
Como dissemos, o racismo faz parte das raízes da nossa sociedade e cultura e, por isso, consiste em um monstro de muitas faces. Pode acontecer por meio de opressões diretas contra pessoas pretas, mas também pode se manifestar pelas privações de direitos, oportunidades e respeito a esse grupo de pessoas.
Pare para pensar: em algum momento você já se sentiu ameaçado ao ver uma pessoa preta se aproximando de você na rua? Você nunca se sentiu em prejuízo sobre alguma oportunidade devido à cor da sua pele? Nunca ninguém olhou para você com suspeita? Situações como essa, podem não expressar uma ação racista diretamente da sua parte (ou podem), mas demonstram que – de alguma forma – você se beneficia dos reflexos racistas que permanecem em nosso dia a dia.
Precisamos escancarar estas agressões que as pessoas pretas vivem, para que então possamos erradicá-las. E lembre-se: se relacionar com pessoas pretas, seja em sua família ou no círculo de amizade, não quer dizer que você não é racista. Reforçamos: o racismo é um monstro de muitas faces!
Reconheça os privilégios da braquitude
Para combater o racismo, é fundamental compreender os privilégios que as pessoas brancas garantem para si a partir deste mal. As vantagens materiais e simbólicas que a cultura racista da nossa sociedade oferecem às pessoas brancas vão desde a possibilidade de andar livremente em público, sem receio de sofrer algum tipo de agressão devido à cor da pele, até suposições que caracterizam grupos como potenciais criminosos, somente por serem pessoas pretas. Vamos refletir:
-> Você faz suas compras sabendo que não será seguido ou perturbado?
-> Ao receber uma abordagem policial, você tem a segurança de que não foi motivada pela sua cor?
-> Na hora de comprar maquiagem, é fácil encontrar opções para a sua pele?
Se sua resposta foi sim para as três reflexões, certamente você usufrui de privilégios da branquitude. E olhar para eles não é causar prejuízo às pessoas brancas, é garantir que prejuízos não sejam impostos a nenhuma pessoa, independentemente da cor da sua pele.
Enegreça suas referências
Por séculos, a elitização do conhecimento priorizou eixos eurocentristas de consumo. E quando falamos sobre a importância de enegrecer nossas referências, não estamos pedindo para ninguém deixar de consumir cultura e informações produzidas por pessoas brancas também. Estamos reforçando a necessidade de ampliarmos nossos horizontes para além do que estamos acostumados a receber e buscar conhecer e repercutir conteúdos de pessoas pretas.
Abra mais seus olhos e coração para explorar as possibilidades culturais que fazem parte de nossas vidas. Confira algumas listas de indicações com nomes maravilhosos de pessoas pretas que você vai gostar de conhecer:
-> 20 cantores e cantoras pretas que você precisa conhecer
-> 15 autoras pretas da literatura brasileira
-> 7 livros para conhecer e entender o feminismo preto
-> Conheça o trabalho de 8 cineastas pretos brasileiros
Não se cale diante do racismo
“Numa sociedade racista, não basta não ser racista é preciso ser antirracista.”
Angela Davis
Mais do que não ser racista, é nosso dever social combater o racismo. E isso não se aplica apenas aos discursos em redes sociais, ou posicionamentos pessoais dentro de correntes em prol da causa. Esta é uma ação que precisa ser exercitada no nosso dia a dia, com as pessoas próximas a nós.
- Se algum amigo ou colega seu fizer comentários racistas: situe eles.
- Se alguém compartilhar uma piada racista perto de você: lembre que racismo não tem graça e que é crime.
- Se seus familiares tiverem noções equivocadas sobre o racismo estrutural, construa conhecimento junto a eles e procure explicar mais sobre a causa.
Combater o racismo precisa se tornar a nossa causa. De todos nós!
Pare de “objetificar” os corpos negros
Exercer a sexualidade é um direito de todas as pessoas, independentemente do seu gênero, orientação sexual e cor da pele. Quando trazemos a questão da hiperssexualização das pessoas pretas, não queremos dizer que é proibido admirar o corpo, achar bonito, sentir atração… Essas sensações fazem parte das relações entre seres humanos e a questão do desejo é inerente a isto.
A hiperssexualização está associada diretamente a tirar das pessoas pretas a condição de pessoas e vê-las apenas como um pedaço de carne – um fetiche ou algo que pode ser usado e abusado para saciar seus desejos sexuais, sem preocupação com a pessoa em si. E esta questão está relacionada também aos padrões estéticos que foram determinados para as pessoas pretas: suas curvas, tamanhos e formas.
Mais do que corpos, falamos de pessoas. E precisamos olhar – e enxergar – estas pessoas acima de quaisquer características.
Não atribua às pessoas pretas a responsabilidade de combater o racismo
É claro que as pessoas pretas, por vivenciarem na pele – literalmente – os impactos do racismo na sociedade, serão as primeiras porta-vozes da causa. No entanto, enquanto coletivo, precisamos aprender e melhorar diariamente, para garantir que nenhum grupo viva em condições inferiores a outros.
Na democracia, partimos da premissa que somos todos iguais, mas enquanto as oportunidades e tratativas forem diferentes, esse conceito não passará de uma utopia. Por isso, precisamos nos aliar cada vez mais às diversas causas que fazem parte do nosso dia a dia e apoiar, dentro das nossas possibilidades e conhecimento, a igualdade e defesa dos direitos de todas as pessoas.
Não precisa ser uma pessoa preta para agir contra o racismo,
basta ser uma pessoa – com caráter.
Para saber mais:
- Livro Pequeno Manual Antirracista, de Djamila Ribeiro (trecho em áudio)
- Professor, filósofo e jurista,Silvio Almeida no Roda Viva
- Ana Paula Xongani – Antirracista pós #Blackouttuesday
- Nátaly Neri – Colorismo
- Angela Davis – A liberdade é uma luta constante
- Portal Geledés
- O que é ser antirracista? Reportagem do jornal Nexo
A sociedade precisa que você também combata o racismo
Que todas as pessoas são racistas, não podemos afirmar. Mas que todos vivemos uma realidade em que o racismo ainda faz parte das relações sociais, na qual pessoas brancas possuem privilégios meramente pela cor da sua pele, podemos sim.
Por isso, convidamos você a refletir e compreender qual é o seu espaço na luta por esta causa. Cada pessoa importa e precisamos impactar cada vez mais, para que – enfim – possamos ressignificar o conceito de igualdade, sem que ninguém sofra o ônus de preconceitos que estão enraízados em nossa cultura.
Combater o racismo é a NOSSA CAUSA. É a sua?