Embora as mulheres estejam avançando em muitos aspectos da sociedade e até mesmo conquistando vitórias no âmbito legislativo, a violência de gênero segue sendo um problema sério no Brasil.
De acordo com dados da pesquisa “Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, realizada pelo Datafolha a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 50.692 mulheres brasileiras sofreram violência diariamente no ano passado.
O estudo, publicado no dia 2 de março, mostra como a vida das mulheres brasileiras é permeada por uma série de violências praticadas, principalmente, por companheiros e ex-companheiros.
Infelizmente, todos os tipos de violência contra as mulheres aumentaram em 2022, seja tiro ou esfaqueamento, ameaça, assédios, espancamento ou até insultos e humilhações.
A pesquisa também mostrou que a casa continua sendo o lugar mais perigoso para as mulheres e que os principais algozes dessas violências são homens que elas conhecem.
Esses dados nos mostram como o machismo ainda está arraigado na sociedade brasileira e como os estereótipos de gênero seguem vitimando as mulheres.
Afinal, a maioria dessas violências ocorrem devido ao sentimento de posse que os homens possuem sobre as mulheres, principalmente com as quais eles se relacionam.
Além disso, percebe-se que a pandemia de covid-19 e os 4 anos de governo Bolsonaro impactaram negativamente no combate à violência contra as mulheres no Brasil.
Por isso, neste Dia Internacional das Mulheres, nós analisamos os dados da pesquisa “Visível e Invisível” para refletir sobre as violências enfrentadas pelas brasileiras e como o Estado pode trabalhar para combatê-las.
Dados sobre a violência e o perfil das vítimas
O levantamento ouviu pessoas acima de 16 anos em 126 cidades do Brasil, abrangendo todas as regiões. Do total, foram realizadas 2.017 entrevistas, sendo 1.042 com mulheres, das quais 818 responderam ao bloco sobre vitimização.
Os dados encontrados foram alarmantes: 1 em cada 3 mulheres já foram agredidas fisicamente ou sexualmente ao menos uma vez na vida. Quando a pesquisa inclui a violência psicológica, o número aumenta para 43% das mulheres brasileiras com 16 anos ou mais, o que equivale a 27,6 milhões de pessoas.
O número é superior à média global de 27%, encontrada em uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde, realizada em 2021.
No que diz respeito a terem sido vítimas nos últimos 12 meses, 28,9% das mulheres relatam ter sofrido algum tipo de violência ou agressão, a maior prevalência já verificada nesta pesquisa.
Dentre as violências sofridas no ano passado, as mais comuns foram: ofensas verbais (23,1%), perseguição (13,5%), ameaças (12,4%), agressão física (11,6%), violências sexuais (9%), espancamento ou tentativa de estrangulamento (5,4%), ameaça com faca ou arma de fogo (5,1%), lesão provocada por algum objeto que lhe foi atirado (4,2%) e esfaqueamento ou tiro (1,6%).
Todas essas porcentagens apresentaram um aumento com relação à pesquisa de 2021, o que significa que esses diversos tipos de violência contra as mulheres ocorreram com mais frequência no ano passado.
Com relação ao perfil das vítimas, foi constatado que a prevalência da violência ao longo da vida é maior entre mulheres pretas (48%), com grau de escolaridade até o ensino fundamental (49%), com filhos (44,4%), divorciadas (65,3%) e na faixa etária de 25 a 34 anos (48,9%).
Esses dados nos mostram que, embora as mulheres tenham tido certos avanços legislativos nos últimos anos, ainda estamos longe de erradicar a violência cometida contra elas dentro de casa.
Hoje, o debate sobre violência doméstica na sociedade brasileira está mais fortalecido, principalmente devido à popularização das redes sociais.
Muitas pessoas questionam mitos como o famoso “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher” e conversam mais sobre a violência doméstica, no entanto, os dados corroboram que o Estado brasileiro precisa urgentemente fortalecer as políticas públicas de combate a essas violências.
O lugar mais perigoso para as mulheres continua sendo as suas próprias casas
Na pesquisa apresentada, 53,8% das mulheres que sofreram violência afirmaram que o episódio mais grave dos últimos 12 meses ocorreu em casa. Esse percentual representa um aumento até mesmo com relação ao levantamento de 2021, o que significa que mesmo com o relaxamento da pandemia, o ambiente doméstico segue sendo o mais perigoso.
Os dados também mostraram que os agressores são, na maioria das vezes (73,7%), homens que as vítimas conhecem, principalmente seus companheiros e ex-companheiros (58,1%).
Ou seja, a maioria das violências ocorrem dentro de casa, no espaço que deveria ser de acolhimento e segurança para essas mulheres.
Isso se deve principalmente aos estereótipos de gênero que ainda permeiam a maioria das relações heterossexuais e determinam que a mulher deve ser submissa ao seu marido ou namorado. Muitos homens ainda acreditam que as mulheres são suas posses e, assim, agredi-las é seu direito.
Por isso mesmo, o feminicídio costuma ocorrer justamente quando a mulher pede a separação e muitas violências são praticadas por ex cônjuges.
Embora pareça uma ideia retrógrada, a maioria dos homens brasileiros tendem a enxergar as mulheres enquanto serviçais que devem obedecê-los. Por isso, nós ressaltamos a importância de uma educação antissexista que combata esses estereótipos nocivos de gênero.
A pandemia e o desmonte de políticas públicas
O principal fator apontado como responsável por esse aumento das violências contra as mulheres em 2022 é o desmonte das políticas públicas ocorrido nos últimos 4 anos.
De acordo com a pesquisa, houve uma queda no financiamento de projetos ligados ao acolhimento das vítimas.
O orçamento federal de 2022 destinado ao combate à violência de gênero, por exemplo, foi o menor dos últimos quatros anos, de acordo com uma pesquisa do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Além disso, durante a pandemia também houve uma precarização dos serviços de acolhimento.
Portanto, podemos perceber que houve um desmonte das políticas públicas voltadas para a proteção das mulheres durante o governo de Jair Bolsonaro, que também promovia noções conservadoras sobre os papéis de gênero.
O agravamento da violência contra as mulheres no Brasil é um resultado desse descaso governamental. Afinal, mesmo que existam leis para proteger as vítimas de violência doméstica, é necessário que o governo invista em Delegacias da Mulher e outras iniciativas que prestam acolhimento.
Como reverter esse cenário?
O fim do governo de Jair Bolsonaro e o reestabelecimento do Ministério das Mulheres trouxe uma esperança de que a violência de gênero passará a ser combatida com mais afinco nos próximos anos.
A verdade é que além de gerar conscientização sobre a violência doméstica e os relacionamentos abusivos, nós precisamos fortalecer as políticas públicas de combate às agressões e os mecanismos de apoio às vítimas.
A criação de leis para proteger as mulheres é muito importante, porém além dos avanços na esfera legislativa, nós precisamos de um comprometimento do governo com esta importante causa.
A pesquisa “Visível e invisível” apontou que a maioria das mulheres (45%) agredidas em 2022 não pediram ajuda e não fizeram nada após os episódios de violência. Isso ocorre porque, infelizmente, as vítimas não confiam nas instituições que deveriam acolhê-las.
Quando questionadas sobre ações que poderiam ser implementadas para combater essas violências, a maioria das entrevistadas destacaram como pontos mais importantes “punir de forma mais severa aqueles que cometem violência doméstica” e “ter alguém para conversar, como um psicólogo ou outro especialista em saúde mental”.
Ou seja, elas pontuaram o quanto precisam de um acolhimento verdadeiro e de uma escuta qualificada para ajudá-las nesses momentos difíceis.
O Estado brasileiro precisa garantir que haja não apenas leis para punir os agressores, mas também iniciativas para prestar apoio e acolhimento às vítimas de violência doméstica.
Além disso, é necessário combater os estereótipos atrelados à masculinidade e à feminilidade através de campanhas de conscientização e da implementação de uma educação feminista.
Só assim nós poderemos ver um verdadeiro avanço na situação das mulheres brasileiras para, então, ter motivos para comemorar no dia 8 de março.