Parece surreal, mas muitas mulheres hoje ainda têm dificuldade em identificar quando é assédio. Ele pode estar presente na rotina de trabalho ou ser um fenômeno esporádico, mas o que deve estar claro é a partir de que momento podemos chamá-lo assim. E ainda, como evitar e combater através de medidas que não sejam paliativas.
Na rua, em uma tarde habitual, você caminha calmamente apenas acompanhada pelo medo de ouvir grosserias e ser invadida durante todo o trajeto, já que optou por usar aquela saia guardada há meses. Temerosa, você evita olhares profundos e eis que acontece o previsível: aquele comentário desconfortável e deselegante que em outro contexto até poderia ser considerado um elogio, mas que na ocasião, agrediu sua integridade.
Você pensa: tudo bem, aconteceu apenas uma vez. E desconsidera o fato.
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Aplicando o assunto a uma possível situação: imagine que você almejava um cargo notável dentro da empresa. Marca uma reunião com seu chefe, consequentemente colega de trabalho. A relação de vocês é ótima, então espera-se boas notícias. Para que ocorra a conversa, ele te convoca numa sala da empresa onde sozinhos, vocês poderão discutir a possibilidade de promoção.
Durante o diálogo, o tal chefe assume uma postura diferente, com olhares estranhos e invasivos. A conversa se estreita, enquanto ele repara na sua roupa e no modo como suas pernas estão cruzadas. Para te promover a proposta é que vá a um jantar na casa dele. Quando esse comentário é lançado você consequentemente se sente desconfortável porque não quer, mas logo pensa na colocação que terá dentro da empresa. Para evitar que a situação fique ainda mais indigesta você levanta rapidamente e aceita, saindo com medo de ser perseguida.
Fica confusa imaginando o comportamento desagradável do chefe, mas almeja boa colocação na empresa e conclui: ‘’Tudo bem, só um jantar’’, desconsiderando o fato.
Outro exemplo: você está em uma festa. Foi sozinha com o objetivo de encontrar umas amigas. Para não esperar ociosa, serve-se de um drink e vai para pista. Logo é cercada por dois rapazes de estatura superior, notavelmente alterados pelo efeito da bebida. Eles começam se aproximando, apenas para tentar uma conversa. Meio às suas esquivas, um deles te puxa pelo braço e sente que tem liberdade suficiente para te abraçar. Você bebeu pouco e está consciente o bastante para considerar aquela atitude invasiva e desconfortável.
Os dois rapazes dançam e em tom convidativo, te puxam para fora da pista. Você não quer sair de lá: não queria ser tocada e ouvir coisas inconvenientes. Incomoda-se com a presença deles, se aproximando de um dos seguranças. Assim, eles saem rindo em tom de gracejo.
Pelo resto do tempo, você se sente desconfortável e insegura, temendo a volta dos homens, mas suas amigas chegam e você desconsidera o fato.
Em qualquer uma dessas situações, há invasão de privacidade, ameaça à integridade e desconforto provocado por terceiros. Nessas conjunturas milhões de mulheres apenas desconsideram o fato, se embasando no que a sociedade construiu quanto ao que é ou não assédio.
Esse texto não objetiva criar regras específicas para identificar comportamentos típicos de assédio, já que deve-se considerar a ocorrência e contexto. O objetivo é esclarecer que a palavra assédio se trata apenas de um rótulo: tudo que invade o espaço de uma mulher, sujeitando-a a temer alguma atitude ou comportamento e questionar sua feminilidade, é invasão, abuso, violação, excesso.
Em suma, esses descomedimentos devem ser não somente evitados, mas condenados em um ato de resistência e denúncia.
Portanto: se agrediu sua moral ou sexualidade, não desconsidere o fato!
Ilustrações: Alexandra Levasseur