Um fato luminoso ao budismo, sobretudo o ocidental, é o protagonismo das mulheres seja como monjas, mestras ou alunas. A atuação de algumas delas, como a brasileira Monja Coen Sensei, a norte-americana Pema Chödrön e a inglesa Jetsunma Tenzin Palmo, que têm alcançado um notável público de leitores budistas e de outras religiões, seja pelas mensagens de amor e compaixão divulgadas por meio de vídeos no YouTube ou também pelos inúmeros livros publicados, reforça a importância do olhar feminino dentro do budismo como forma de estimular o empoderamento da mulher.
O empoderamento feminino chegou entre as religiões e o budismo tem abraçado, guardada as devidas interrogações [1], por meio da atuação dessas monjas, essa questão. Muitas hoje são professoras reconhecidas não apenas para budistas, mas também para pessoas de várias religiões.
Você pode não saber quem é Jetsunma Tenzim Palmo, mas certamente você já deve ter visto o vídeo onde ela explica a diferença entre o amor romântico e o amor genuíno. É lindo e expansivo! A Monja Coen Sensei você também pode não conhecer pelo nome, mas vira e mexe você deve ter visto uma mulher carequinha de fala gostosa na TV falando de budismo, de amor, de pessoas, de compaixão. É uma gostosura ler o que ela sempre escreve e diz. Ambas sempre conectam suas mensagens de amor e compaixão à filosofia budista de forma natural e saborosa. Elas nos despertam!
Há outras monjas e professoras igualmente importantes que têm ampliado o protagonismo feminino dentro do budismo. Mestras do passado e do presente, como a tia de Sidarta, Mahaprajapati, que se tornou a primeira monja, e mestras na ativa, como Pema, Jetsunma e Coen, ajudam a construir uma cultura de paz que não mais compactua e tolera a discriminação de gênero.
Homens e mulheres têm dentro de si a natureza de Buda. Como ressalta a Monja Coen em uma de suas colunas, “o que se reverencia no budismo não é o gênero, masculino ou feminino, mas a mente iluminada, anterior às discriminações”. Sobre a questão do preconceito e do machismo como um todo, a Jetsunma deu uma palavrinha sobre isso na sua passagem pelo Brasil em maio de 2014 [2].
E o que é interessante é, mesmo em comunidades religiosas consideradas iluminadas, ou que se esforçam para ser, como este problema, esta discriminação total nunca foi questionada, durante todos esses séculos. E continua até hoje, em muitas religiões, em que as mulheres ainda lutam para terem voz. Além do mais, todos os textos foram escritos por homens, para homens. E frequentemente apresentam as mulheres como sendo o mal em pessoa, de quem os homens precisam se proteger.
Diz a lenda que o próprio Sidarta Gautama, antes de se tornar o Buda histórico, durante o seu caminho à iluminação, ficou 80 dias sem comer e beber nada. Sidarta, então, pele e osso, foi socorrido por uma menina camponesa que derramou leite em sua boca. Os relatos dizem que isso foi importante para a caminhada de Sidarta no sentido de se tornar o Buda, o iluminado.
Volto mais uma vez com as palavras da Monja Coen e um trecho de outra coluna sua onde ela trata da importância da face feminina do Buda.
Recentemente me contaram que certa ocasião o Dalai Lama pediu a uma monja de sua tradição que liderasse a meditação. Ela, depois que todos se sentaram, começou a falar que gostaria que todos os participantes imaginassem que as imagens de Buda fossem todas femininas, que Dalai Lama fosse uma mulher, que os digníssimos e veneráveis monges superiores que o cercam fossem mulheres e que, ao contrário do que estava acontecendo, fossem servidas por homens. Ela continuou contando dos problemas das monjas, das discriminações, da falta de oportunidades de estudo e desenvolvimento. Ao terminar, o Dalai Lama chorava e pedia perdão. Nunca se conscientizara do problema e se comprometeu a trabalhar para a transformação da posição das mulheres dentro do budismo tibetano.
Essa questão do empoderamento feminino búdico fica cada vez mais evidente e necessário de ser debatido dentro do budismo quando uma das grandes lideranças, o Dalai Lama, líder espiritual tibetano, “escorrega” no tema. Numa entrevista para a Época [3] de anos atrás, quando perguntando sobre a possibilidade do próximo Dalai Lama ser mulher, ele disse, num machismo sutil, ser a favor desde que ela fosse bonita. E deu risada!
Em outra entrevista [4], dessa vez publicada no jornal Corriere della Sera, o líder tibetano escorregou mais uma vez quando perguntado sobre a mesma questão.
Mas se isso acontecer, essa mulher deve ser muito, muito atraente, com um rosto bonito… Uma Dalai Lama feminina com um rosto feio não ajudaria muito (risos).
Apesar disso, em outras entrevistas o Dalai Lama costuma dizer que entende como natural se a próxima reencarnação do Dalai Lama (ele é o 14º) for mulher e que elas têm qualidades para exercer uma boa liderança.
O certo é que, se as muitas mulheres budistas do passado que transmitiram a sabedoria e compaixão do Buda não foram devidamente reconhecidas nos cânones e em suas estruturas comandadas por homens (quantas não teriam sido esquecidas nos textos escritos por eles?), a próxima geração de professoras e monjas budistas vai empoderar espiritualmente cada vez mais mulheres dando a elas autonomia, independência e oportunidades de liderança dentro do budismo.
Buda deu ferramentas para compreendermos que boa parte de nossas impurezas mentais, como a ideia de um “Eu engessado”, é a base para toda fonte de egoísmos e discriminações como o sexismo e machismo.
Abaixo apresento as três monjas citadas no texto e cujas palavras, sejam por meio de livros ou vídeos, sempre me acompanham.
Monja Coen Sensei
Monja Coen sempre participa de reuniões e diálogos inter-religiosos para promover a cultura de paz. É corajosa a ponto de ir ao programa do Danilo Gentili falar sobre budismo e descolada a ponto de desfilar numa escola de samba. Ela é autora de livros como “Viva zen – Reflexões sobre o instante e o caminho” e “Sempre Zen – Aprender, ensinar, ser”. Ela publica uma coluna no Jornal “O Globo”.
Este vídeo é parte da websérie “SER” feita de palestras na íntegra da monja que foram gravadas no templo Tenzui Zenji. Vale ver/ouvir cada uma.
Pema Chödrön
A monja norte-americana Pema Chödrön ensina as pessoas utilizando a filosofia budista para superar medos e buscar a paz. Um tema recorrente em seus textos é o “shenpa”, palavra tibetana para “apego” que ela usa para falar de sentimentos como raiva, baixa autoestima e vícios. Ela vive na Abadia Gampo, um monastério canadense, onde também ensina. Ela é autora de livros como “A beleza da vida – a incerteza, a mudança, a felicidade”, “Quando tudo se desfaz”, “Sem tempo a perder” e “O Salto”.
A Pema não tem tantos vídeos com legendas em português no Youtube, então, você vai precisar tirar o inglês do baú. Nesse vídeo, com legenda, ela brinca dizendo que se tornou budista porque odiava o marido ao saber que ele a traía.
Jetsunma Tenzin Palmo
A Jetsunma passou 12 anos em retiro numa caverna no Himalaia como parte de sua formação budista. Ela atualmente cuida de um mosteiro feminino na Índia e dá aulas, além de conduzir retiros por todo o mundo. O título Jetsunma significa “Venerável Mestra” e foi dado a ela como forma de reconhecer suas realizações espirituais como monja e seus esforços em promover o status das praticantes femininas no Budismo Tibetano. Seu livro “No coração da vida – Sabedoria e compaixão para o cotidiano” é publicado pela Editora Lúcida Letra.
Esse vídeo no YouTube já tem mais de 1 milhão e oitocentas mil visualizações. Nele, a Jetsunma Tenzin Palmo fala da diferença entre o amor genuíno e o amor romântico. Ela gravou durante sua passagem pelo Brasil em maio de 2014. O vídeo procura desplantar saborosamente o cultivo entre apego e amor que plantamos cotidianamente em nossos relacionamentos afetivos.
Se você quer conhecer mais sobre a participação feminina búdica eu recomendo o “Yogini Project”, um projeto que busca preservar a memória da presença feminina no Budismo por meio de uma plataforma online que reúne algumas monjas do presente e do passado. Vale a pena visitar o site se você dominar o inglês. Há ainda o livro “Dakini Power: Twelve Extraordinary Women Shaping the Transmission of Tibetan Buddhism in the West”, da repórter e conferencista Michaela Haas, que conta a história de 12 mulheres do Budismo Tibetano no Ocidente.
[1]Leia aqui uma entrevista com a Venerável Karma Lekshe Tsomo, especialista em estudos budistas, onde ela faz uma reflexão legal sobre as mulheres dentro do budismo.
[2]Sobre a questão do preconceito e do machismo como um todo, a Jetsunma deu uma palavrinha sobre isso quando de sua passagem pelo Brasil em maio de 2014 (leia o texto aqui).
[3]Entrevista – ‘Não quero converter ninguém ao budismo’
[4]”Uma mulher Dalai Lama? Eu digo sim.” Entrevista com o Dalai Lama