Há um ditado do povo inuíte, um dos três povos aborígenes do Canadá, que diz que a língua é o único instrumento que se afia com o uso – ou seja: uma forma de transmitir uma discriminação pode ser por meio da língua. Ela é o espelho de valores e do pensamento da sociedade que cria, utiliza e transforma seus conteúdos linguísticos.
Por isso, jornalistas, escritores ou usuários da língua de forma geral: vamos nos unir no uso de uma linguagem inclusiva de gênero! Isso serve, e muito, para portais de notícias, sobretudo, os com conteúdos dedicados às mulheres.
O uso da linguagem inclusiva de gênero tem ganhado cada vez mais importância à medida que a sociedade avança em direção a uma maior equidade. Trata-se de uma forma de garantir que todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero, sejam respeitadas e reconhecidas.
Esse uso não se limita apenas a evitar termos sexistas e discriminatórios, mas também a criar novas formas de expressão que acolham identidades que não se encaixam no binarismo tradicional de masculino e feminino.
Quem nunca leu uma manchete como “10 dicas para seus filhos passarem de ano”? Ou, em livros escritos por psicólogos infantis ou profissionais de outras áreas, nunca se deparou na leitura com o masculino sendo representante oficial do feminino? Eu mesmo, quando recebo alguma resposta de entrevista, vejo que as respostas das pessoas “enguardachuvam” o feminino.
O uso de linguagem inclusiva de gênero vai além de simplesmente modificar termos, ele reflete um compromisso com a desconstrução de padrões históricos de exclusão e marginalização. Por exemplo, muitas empresas e instituições estão adotando pronomes neutros e formas verbais inclusivas como forma de reconhecer identidades não-binárias, demonstrando respeito e sensibilidade para com todas as pessoas. Em vez de “os paulistanos”, por que não usar “a população de São Paulo”? Dessa forma, evitamos não só a exclusão, mas promovemos a igualdade de maneira sutil e poderosa.
Aposto que na carta que você recebe da escola da sua criança está escrito “Reunião de pais e professores” e não “Reunião de mães e professoras” (ironia: uma amiga lembra que, embora alguns pais hoje cheguem a comparecer, ainda são as mães que costumam encarar a bronca indo às reuniões). Escolas, por exemplo, em vez de usar “pais” e “professores” na carta da reunião, podem utilizar expressões “pais e mães” e “professores e professoras” como forma de trabalhar a linguagem inclusiva de gênero. Talvez até mesmo “pessoas responsáveis”, para englobar todos os tipos de famílias.
A provocação necessária é: por que o masculino deve servir de guarda-chuva para o gênero feminino? Frases construídas com predomínio dos vocábulos masculinos em matérias jornalísticas ou em outras modalidades textuais, sem dar qualquer visibilidade ao feminino, reforçam um comportamento machista e colonizador.
Além disso, em 2024, as diretrizes para uma linguagem inclusiva ganharam espaço em diversos setores, com o governo brasileiro e outros órgãos internacionais, como a ONU, incentivando o uso de expressões que promovem a igualdade.
A linguagem, como reflexo das relações sociais, pode e deve ser adaptada para garantir que todas as pessoas sejam reconhecidas e respeitadas, independentemente de gênero. Um exemplo é a crescente adoção da linguagem neutra em documentos oficiais, com o uso de pronomes como “elu”, em vez de “ele” ou “ela”, para incluir pessoas não-binárias.
As “Blogueiras Feministas”, nesse texto sobre o tema, lembram também que a linguagem inclusiva não deve ser referente apenas ao gênero, “mas a outros grupos identitários como negras/os, pessoas trans, etnias, etc”. Vale muito a leitura desse material!
Podemos agora mesmo trabalhar numa linguagem inclusiva de gênero.
Por exemplo: em vez de dizermos ou escrevermos “Os paulistanos têm um bom nível de vida”, é mais gentil sintaticamente dizer “O nível de vida em São Paulo é bom”. Utilizar a voz passiva é uma forma inclusiva de se considerar todos os seres humanos nas orações. Dá para utilizar o gerúndio para evitar o uso de algumas palavras que, no geral, se identificam com homens.
Não é nada democrático dizer ou escrever “Os deputados da Câmara buscam soluções para o problema da segurança pública”. Muito embora o número de mulheres congressistas seja mínimo, com apenas 91 deputadas atuantes dentre os 513 parlamentares, há representação política feminina atuante. Logo, é mais democrático dizer ou escrever “O Congresso está buscando soluções”, assim mesmo, no gerúndio. Os exemplos são vários e as alternativas semânticas, muitas.
A ideia da linguagem inclusiva de gênero é exatamente isso: desconstruir a ideia de masculino como universal e desconstruir o uso sexista da língua na expressão oral e escrita que só reforça as relações assimétricas e nada equitativas de gênero. A linguagem sexista, se utilizada de forma integral, impõe a nós que o masculino (homem) seja empregado como norma, ficando o feminino (mulheres) incluído como referência ao discurso masculinizado.
Trabalhar essa linguagem inclusiva em nós é dar visibilidade para as mulheres em todas as esferas e dar mais publicidade para a participação feminina que sempre existiu na construção histórica do Brasil, mas nem sempre destacada.
Em 2024, a importância de adotar a linguagem inclusiva de gênero também se alinha aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, particularmente o ODS 5, que visa alcançar a igualdade de gênero. Ao incluir mulheres e identidades de gênero não-binárias em todos os aspectos de comunicação, estamos contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa, onde todas as pessoas têm seu espaço reconhecido.
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Incluir as mulheres em qualquer referência oral e escrita é optar por uma linguagem não discriminatória e parar de naturalizar estereótipos nos textos e em nós mesmos. A língua é uma ferramenta viva e em constante transformação, e cabe a nós nos transformarmos para promovermos a igualdade de gênero e criar uma Cultura de Paz cada vez mais próxima.
Texto publicado originalmente em 10 de agosto de 2015, por Madson de Moraes, atualizado em 23 de setembro de 2024 pela equipe editorial da Nossa Causa.