
A história da formação socioeconômica brasileira é marcada por tragédias, descaso, preconceitos, injustiças e dor. Uma chaga que o Brasil carrega até os dias atuais.
Várias
causas podem ser atribuídas como influentes para a Abolição, algumas episódicas
e outras definidoras. É possível concentrar todas numa ideia-mestra: o que inviabilizou o escravismo brasileiro
foi o avanço do capitalismo no País.
Longe de ser um simplismo mecânico, a frase
expressa uma série de contradições que tornaram o trabalho servil não apenas
anacrônico e antieconômico, mas sobretudo ineficiente para o desenvolvimento do
País. Com isso, sua legitimidade passou a ser paulatinamente questionada.
O Brasil
das últimas três décadas do século XIX era uma sociedade em acelerada
transformação. A atividade cafeeira vinha ganhando o centro da cena desde pelo
menos 1840. O setor exportador torna-se o polo dinâmico da economia,
constituindo-se no principal elo do País com o mercado mundial. Havia outras
atividades de monta ligadas à exportação, como a borracha e a cana. Mas, a essa
altura, o café já era a grande estrela.
A partir
de 1870, com o fim da Guerra do Paraguai (1864-1870), a agricultura de
exportação vive uma prosperidade acentuada. Um expressivo fluxo de capitais,
notadamente inglês, foi atraído para as áreas de infraestrutura de transportes
– ferrovias, companhias de bonde e construção de estradas – e atividades
ligadas à exportação, como bancos, armazéns e beneficiamento, todos garantidos
pelo Estado.
O período
marca a supremacia incontestável do império britânico. A expansão da economia
internacional e a demanda crescente por matérias primas por parte dos países
que viviam a Segunda Revolução Industrial resulta em um ciclo de investimentos
nos países periféricos.
Embora
rebeliões, fugas e a organização de quilombos já existissem no Brasil desde o
século XVI e várias rebeliões regionais já tivessem a emancipação dos cativos
em pauta, uma campanha organizada só acontece nas últimas décadas do século
XIX.
Em 1887,
o Ministério da Agricultura, em seu relatório anual, contabilizava a existência
de 723.419 escravos no País. Desse total, a Região Sudeste (São Paulo, Rio de
Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo), produtora de café, abarcava uma
população cativa de 482.571 pessoas. Todas as demais regiões respondiam por um
número total de 240.848.
Incentivado
por esse desenlace, o abolicionismo toma ares de movimento em diversas
províncias, como Rio Grande do Sul, Amazonas, Goiás, Pará, Rio Grande do Norte,
Piauí e Paraná. A essa altura, a libertação total dos escravos já era uma
possibilidade real.
A perda
de legitimidade da escravidão acentuava-se especialmente nas grandes cidades. A
reação vinha de setores da oligarquia cafeeira, temerosos de um solavanco nos
negócios com a previsão de perda de seu “capital humano” da noite para o dia.
Como as evasões tornavam-se frequentes, aumentou a repressão contra escravos
fugidos em vários municípios da província do Rio de Janeiro.
Ao mesmo
tempo, o País passara a incentivar, desde 1870, a entrada de trabalhadores
imigrantes – principalmente europeus – para as lavouras do Sudeste. É um
período em que convivem, lado a lado, escravos e assalariados.
Os
números da entrada de estrangeiros são eloquentes. Segundo o IBGE, entre 1871 e
1880, chegam ao Brasil 219 mil imigrantes. Na década seguinte, o número salta
para 525 mil. E, no último decênio do século XIX, após a Abolição, o total soma
1,13 milhão.
A
implantação de uma dinâmica capitalista, materializada nos negócios ligados à
exportação de café, como bancos, estradas de ferro, bolsa de valores, vai se
irradiando pela base produtiva. Isso faz com que parte da oligarquia agrária se
transforme numa florescente burguesia, estabelecendo novas relações sociais e
mudando desde as características do mercado de trabalho até o funcionamento do
Estado.
Para essa economia, o negro cativo era uma peça
obsoleta. Além de seu preço ter aumentado após o fim do tráfico, em 1850, o
trabalho forçado mostrava-se mais caro que o assalariado.
A Abolição não era apenas uma demanda por maior
justiça social, mas uma necessidade premente da inserção do Brasil na economia
mundial, que já abandonara em favor do trabalho assalariado, mais barato e mais eficiente.
Em maio
de 1888 veio a Lei Áurea e, 16 meses depois, como consequência direta das
contradições que vivia o País, a República.
Com a
abundância de mão de obra imigrante, os ex-cativos acabaram por se constituir
em um imenso exército industrial de reserva, descartável e sem força política
alguma na jovem República.
Os
fazendeiros, em especial os cafeicultores, ganharam uma compensação: a
importação de força de trabalho europeia, de baixíssimo custo, bancada pelo
poder público. Parte da arrecadação fiscal de todo o País foi desviada para o
financiamento da imigração, destinada especialmente ao Sul e Sudeste.
O
subsídio estatal direcionado ao setor mais dinâmico da economia acentuou
desequilíbrios regionais que se tornaram crônicos pelas décadas seguintes. Esta
foi a reforma complementar ao fim do cativeiro que se viabilizou. Quanto aos
negros, estes ficaram jogados à própria sorte.
A
libertação trouxe ao centro da cena, além do projeto de modernização
conservadora para a economia, o delineamento social que a elite desejava para o
País. O preconceito racial abolicionista tinha raízes dentro e fora do País. A propalada superioridade da raça branca
era parte constitutiva da ideia de “progresso”.
No século
XIX, os maiores países europeus passam a ser, com hierarquias variadas, centros
de poder imperial, conquistando colônias na África e na Ásia. Havia um nó
teórico a ser desatado: como regimes liberais, lastreados nas ideias da
Revolução Francesa (1789), poderiam colonizar nações inteiras, subjugando povos
e culturas a seus desígnios?
O novo
regime, apesar das promessas, não viera para democratizar a sociedade ou
possibilitar uma maior mobilidade social. Por suas características
acentuadamente oligárquicas, a República
brasileira chegara para manter intocada uma estrutura elitista e excludente.
Texto por Rubens Rufino
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