Cientistas declaram estado de emergência para a extinção de jumentos

ONG News
15 de agosto de 2025
  • Especiais
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Diante da queda de 94% da população de jumentos no Brasil, cientistas brasileiros e especialistas de universidades internacionais divulgaram uma carta aberta ao governo federal pedindo a suspensão imediata do abate desses animais. Para esse grupo, formado por 12 profissionais – a maioria PhD nas áreas de medicina veterinária, agronomia, zootecnia, economia, biologia e nutrição animal –, a situação do jumento nordestino no País chegou a um “estado de emergência iminente e irreversível de extinção”.

A iniciativa de elaborar uma declaração conjunta partiu do III Workshop Internacional Jumentos do Brasil: Futuro Sustentável, realizado em junho em Maceió (AL). Desde então, o grupo elencou dez pontos para fundamentar a necessidade de parar com o abate (veja a declaração no final desta reportagem). São eles:

  1. A população de jumentos no Brasil caiu 94%, ameaçando o jumento nordestino de extinção.
  2. O jumento nordestino é um recurso genético único no mundo.
  3. Esses animais têm papel ecológico essencial em ecossistemas nativos.
  4. A diversidade genética é vital para a sobrevivência humana.
  5. O abate de jumentos no Brasil apresenta riscos sanitários comprovados.
  6. Já houve caso de mormo em humanos ligado a esses animais.
  7. O abate envolve casos de trabalho infantil e análogo à escravidão.
  8. A prática prejudica a reputação do agronegócio brasileiro.
  9. O jumento nordestino é patrimônio histórico e cultural imaterial do Brasil.
  10. A Constituição obriga o Estado a proteger a fauna e evitar sua extinção
Cova de Jumentos mortos por doenças em local próximo a abatedouro
Cova de Jumentos mortos por doenças em local próximo a abatedouro na Bahia

“O jumento nordestino é reconhecido em estudos brasileiros e internacionais como um ecótipo exclusivo do nosso semiárido, com um importante papel na economia e cultura local”, explica o professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP Adroaldo Zanella.

Segundo o especialista – que é PhD pela Universidade de Cambridge (UK) e acumula passagens pelas cátedras de bem-estar animal em universidades da Noruega, Escócia e Estados Unidos, a gravidade da situação demanda ações imediatas. “Estou muito preocupado. Existem soluções, e elas devem ser tomadas com urgência. O abate precisar parar.”

Já o professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e pesquisador produtividade do CNPq, Pierre Escodro, o Brasil não pode continuar sendo o elo frágil de uma cadeia internacional que lucra com a morte de um animal tão representativo e essencial para a vida de comunidades vulneráveis. “O Brasil precisa alinhar sua legislação às boas práticas já adotadas por outros países do Sul Global”, afirma o pesquisador.

A declaração recomenda que o abate seja suspenso até que o governo federal apresente dados oficiais atualizados sobre o tamanho da população de jumentos, suas taxas de reposição e estruturas produtivas, sanitárias e de bem-estar animal para a cadeia. Segundo dados da FAO, IBGE e Agrostat, o Brasil já teve uma das maiores populações de jumentos do mundo, de 1,37 milhão em 1999. Hoje, esse número caiu para cerca de 78 mil animais.

JUMENTO NORDESTINOA um passo da extinção

  • População em 1999: 1,37 milhão
  • População atual estimada: 78 mil
  • Número de jumentos abatidos (2018–2024): 248 mil
  • Destino das exportações: principalmente China (para produção de ejiao)

Fonte: FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), IBGE, Abatedouros

Extinção à vista – De 2018 a 2024, pelo menos 248 mil jumentos foram abatidos apenas na Bahia, único estado com três frigoríficos autorizados pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF) para realizar esse tipo de abate. A maioria tem como destino a exportação de peles para a China, onde são utilizadas para a fabricação de ejiao, uma substância comercializada como suplemento revigorante.

Para a cientista Patricia Tatemoto, coordenadora da campanha da The Donkey Sanctuary no Brasil, o fim do abate é essencial para evitar a extinção da espécie e viabilizar caminhos sustentáveis. “Este governo tem uma oportunidade única em uma geração de proteger esses animais preciosos, que podem viver livremente na natureza ou ser reconhecidos como animais de companhia”, afirma a doutora.

Já o agrônomo e pesquisador da USP, Roberto Arruda de Souza Lima, acrescenta que a ciência já desenvolve alternativas à produção de colágeno animal. “Estudos apontam caminhos como a fermentação de precisão, capaz de produzir colágeno em laboratório sem exploração animal. Investir nessas tecnologias é estratégico do ponto de vista econômico, ambiental e sanitário.”

A campanha pela proibição do abate é liderada pela organização internacional The Donkey Sanctuary, do Reino Unido, que atua no Brasil em parceria com universidades, ONGs, veterinários e defensores da causa animal.

No Congresso Nacional, existe um Projeto de Lei com esse fim, o PL 2.387/2022, aguardando votação na CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara), apesar de já ter obtido pareceres favoráveis nas comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e na de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural.

Já na Bahia, o PL nº 24.465/2022, visando a proibição do abate, já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Estado, mas teve parecer contrário do deputado Paulo Câmara (relator na Comissão de Agricultura), sob a alegação de que o texto desrespeita a Constituição Estadual devido a um eventual impacto financeiro da atividade para o estado. No entanto, a Constituição Federal de 1988, em seu capítulo VI, determina que o Poder Público tem o dever de “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”

(Redação da ONG News)

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Declaração de Maceió – Estado de Emergência: Extinção do Jumento Nordestino

Durante o III Workshop Internacional Jumentos do Brasil – Futuro Sustentável, evento ocorrido nos dias 26, 27 e 28 de junho de 2025 em Maceió-Alagoas e realizado pela Universidade Federal de Alagoas sob coordenação do Grupo de Pesquisa em Equídeos e Saúde Integrativa, um proeminente grupo de cientistas das áreas de agronomia, biologia, ciências sociais, economia, medicina veterinária e zootecnia se reuniu e deliberou conjuntamente os seguintes termos:

. Considerando a redução de 94% da população de jumentos no Brasil e a aproximação do ponto de não retorno sobre a perda do ecótipo jumento nordestino enquanto patrimônio genético;

. Considerando o jumento nordestino reconhecido cientificamente como recurso genético único no mundo, evidenciado em estudos internacionais;

. Considerando o papel ecológico desses jumentos em ecossistemas nativos como parte da megafauna que religa teias alimentares extintas em outras eras geológicas;

. Considerando a diversidade genética como condição indispensável para a vida humana no planeta;

. Considerando os riscos sanitários identificados na atividade de abate de jumentos ocorridos no Brasil, e extensivamente demonstrados na nota técnica da Agência de Defesa Agropecuária do Estado da Bahia e publicações científicas;

. Considerando o caso de mormo em humanos, no estado do Rio Grande do Norte, demonstrado em publicação científica recente;

. Considerando a constatação da ocorrência de trabalho infantil e análogo a escravo descrito nos autos dos processos no Ministério Público da Bahia nas denúncias envolvendo o abate de jumentos no estado;

. Considerando o risco reputacional ao agronegócio brasileiro, cujo sistema de produção, fiscalização, inspeção e exportação de produtos de origem animal tem excelência reconhecida, contrastada com a rudimentar e extrativista atividade de abate de jumentos;

. Considerando o jumento nordestino como incontroverso patrimônio histórico e cultural imaterial, conforme se constata em incontáveis representações ao longo da história do Brasil;

. Considerando que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 determina, em seu artigo 225, parágrafo 1º, incisos II e VII, que incumbe ao Poder Público “preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País” e “proteger a fauna, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”

DECLARA-SE estado de emergência no que diz respeito à iminente e irreversível extinção do jumento nordestino no Brasil e RECOMENDA-SE a suspensão imediata do abate até que existam dados oficiais do efetivo populacional atual, da taxa de reposição e do estabelecimento de moldes adequados para esta cadeia produtiva, no que tange aos aspectos produtivos, sanitários e de bem-estar animal.

Assinam a declaração:

  • Adroaldo José Zanella, PhD. Médico Veterinário, PhD em Bem Estar Animal (Cambridge University), pós-doutorado na Alemanha. Já foi pesquisador e professor nos Estados Unidos, Noruega e Escócia. Coordenou o Projeto AWIN do Programa Quadro da União Europeia (Welfare Indicators Grant Agreement ID: 266213). Atualmente é professor Associado da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo.
  • Chiara Albano de Araujo Oliveira, PhD. Zootecnista, Doutora em Nutrição de Equinos, Professora Adjunta da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
  • Débora Andréa Evangelista Façanha, PhD. Engenheira Agrônoma, Acadêmica de Medicina Veterinária, Mestre em Zootecnia (UFSM), Doutora em Zootecnia (UNESP), Pós-Doutora em Genética e Melhoramento Animal (UNIFI, Itália). Atuação em Conservação de Raças Nativas do Brasil, Proteção e Bem-Estar Animal, Medicina Veterinária do Coletivo/Manejo Populacional Ético de Animais. Docente do Instituto de Cultura e Arte (UFC).
  • Iaçanã Valente Ferreira Gonzaga, PhD. Médica Veterinária (UFF). Mestrado em Nutrição e Produção Animal (FMVZ, USP). Doutorado em Ciências, na área de Nutrição e Produção Animal (FMVZ, USP). Atualmente é professora adjunta no Centro de Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
  • José Roberto Pinho de Andrade Lima, PhD. Médico Veterinário. Realizou pós-doutorado em Saúde Global e Ambiental – concentração em Saúde Única, na University of Florida – Gainesville/EUA. Possui doutorado em Saúde Pública pelo Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Mestrado em Ciências Veterinárias com ênfase em Epidemiologia pela Université de Montreal no Canadá e Graduação em Medicina Veterinária pela UFBA. Coronel Veterinário, integra o Exército Brasileiro desde 1995. Em 2020, passou a integrar o corpo docente de docentes pesquisadores da Escola Superior de Defesa (ESD), Brasília-DF. Vice-Coordenador e professor permanente do Programa de Pós-graduação em Segurança, Desenvolvimento e Defesa da ESD (PPGSDD). Integrou a comissão de Saúde Pública do CRMV-BA por mais de 15 anos e realiza pós-doutorado na Universidade Católica de Brasília (UCB), investigando a Saúde Única, Mudanças Climáticas e Patógenos Emergentes.
  • Juan Carlos Carrascal Velásquez, PhD. Médico Veterinário Zootecnista (Universidade de Córdoba, Colômbia), Especialista em Etologia e Bem-Estar Animal (UNIAGRARIA, Colômbia), Mestre e Doutor em Medicina Veterinária (UFV, Brasil), Professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de Córdoba, Colômbia, Fundador e Diretor da One Health Network Colômbia OHCol e Co-fundador da One Health Network América Latina, Ibero e Caribe OHLAIC. Presidente e Juiz do Tribunal Nacional de Ética em Medicina Veterinária e Zootecnia da Colômbia.
  • Maura Cristina Freitas. Médica Veterinária mestranda FMVZ USP.
  • Patricia Tatemoto, PhD. Bióloga (UNESP), Mestre em Biologia (UNESP), PhD em Ciências, na área de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal (USP), Pós-doutora (USP), MBA em Agronegócios (USP). Atualmente é pós-doutoranda no Instituto de Ciências Biomédicas da USP.
  • Pierre Barnabé Escodro, PhD. Médico Veterinário, Mestre em Medicina Veterinária, PhD em Ciências na área de Biotecnologia. Professor Associado da Universidade Federal de Alagoas. Pesquisador de produtividade em desenvolvimento tecnológico e extensão inovadora nível 2 no CNPq.
  • Roberto Arruda de Souza Lima, PhD. Engenheiro Agrônomo (ESALQ) e doutor em Economia Aplicada (USP). Professor Associado da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP).
  • Thereza Cristina Calmon de Bittencourt, PhD. Médica Veterinária (UFBA), Doutora em Genética (USP). Professora Titular da Universidade Federal da Bahia.
  • Tobyas Maia de Albuquerque Mariz, PhD. Médico Veterinário, Doutor em Zootecnia, Professor Associado da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

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