Advocacy como saída honrosa

ONG News
17 de dezembro de 2025
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Por Rodolfo Moreira Hojda dos Santos (*)

Há um desconforto que aparece com frequência em conversas entre gestores do terceiro setor. Em geral, não se resume a orçamento. O ponto costuma ser a dificuldade de gerar impacto consistente quando a atuação depende de variáveis que mudam rápido, como dinâmica do território, circulação de públicos, oferta de serviços, regras administrativas e prioridades políticas. Nessa arena, executar bem, dar continuidade e mensurar resultados vira um exercício permanente de recomposição.

Quando a complexidade sobe, o custo da operação também sobe. Não apenas no financeiro, mas em energia de coordenação, gente, espaço, governança e cuidados para sustentar um serviço com regularidade. E há um componente menos visível: parte do resultado depende do que acontece fora do alcance da organização, o que tende a aumentar a sensação de instabilidade e de frustração.

É nesse cenário que tenho percebido um movimento: mais organizações vêm migrando parte relevante de sua energia para advocacy. Não como substituição automática da execução, mas como tentativa de reposicionar estratégia. Em vez de concentrar quase tudo na entrega direta, passam a atuar sobre regras do jogo: desenho de políticas, fluxos de encaminhamento, padrões de financiamento, orçamento, marcos regulatórios e formas de coordenação entre órgãos e serviços. A aposta é que influenciar o sistema pode produzir efeitos mais previsíveis do que operar sozinho na ponta, sobretudo quando o problema é distribuído e depende de decisões públicas.

O debate sobre o papel das organizações da sociedade civil no ciclo das políticas públicas é antigo e segue aberto. O Ipea registra um obstáculo empírico para avançar nessa discussão: a deficiência de informações sistemáticas sobre quem são e onde atuam as organizações que mantêm cooperação com o Estado, o que limita decisões mais bem informadas sobre estratégias e sobre a atuação cooperada. No mesmo texto, aparecem movimentos que ajudam a entender mudanças no campo, como ampliação de recursos estatais destinados às OSCs, diversificação de áreas, ampliação de canais de interlocução e aproximação da esfera parlamentar. 

Chamar advocacy de “saída honrosa” pode soar duro, mas a expressão tenta nomear um sentimento real. Há organizações comprometidas com a missão que se veem presas em ciclos de execução intensos, com resultados difíceis de atribuir e com um desgaste que nem sempre se converte em aprendizado institucional. Se parte do problema é sistêmica, faz sentido tentar mover as engrenagens. Isso não elimina o valor da entrega direta, mas relativiza a expectativa de que a ponta, sozinha, dê conta de compensar insuficiências do Estado e contradições das políticas.

Ao mesmo tempo, advocacy não resolve por decreto. Há o risco de perder vínculo com a realidade do território e transformar incidência em narrativa. Quando isso acontece, a organização pode ganhar voz e perder aderência. Talvez por isso, o caminho mais robusto seja híbrido: manter algum grau de presença na ponta, nem que seja por escuta estruturada, projetos-piloto, monitoramento ou parcerias de execução, e traduzir essa experiência em forma de evidências.

A cooperação entre governo federal e organizações se materializa por instrumentos diversos, organizados em categorias como parcerias, financiamento a projetos, subvenções e prestação de serviços, buscando ordenar o universo desses vínculos para diagnosticar padrões. Esse lembrete ajuda a evitar generalizações apressadas: o campo é heterogêneo, e os caminhos de incidência tendem a variar conforme a política, o arranjo institucional e o território.

No fim, advocacy pode ser menos uma fuga e mais uma mudança de escala. Uma tentativa de reconhecer que a execução é indispensável, mas que, em contextos de alta complexidade, influenciar políticas pode ser um modo mais sustentável de disputar resultados, sem romantizar o que a ponta consegue carregar.

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(*) Rodolfo Moreira Hojda dos Santos é gestor de operações e projetos, formado em Sociologia pela FESP, com pós-graduação em Gestão Estratégica de Negócios, MBA em Gestão de Projetos pela FGV e mestrado profissional em Gestão e Políticas Públicas pela FGV.

Referência
LOPEZ, Felix G.; BARONE, Leonardo S. As Organizações da Sociedade Civil e as Políticas Públicas Federais (2003–2011). Boletim de Análise Político-Institucional, n. 3, Ipea.

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