Brasil precisa de nova geração de filantropos para mudar futuro da educação

ONG News
12 de setembro de 2025
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*Por Ana Carolina Garini

No Brasil, falar sobre filantropia ainda provoca reações mistas. Para alguns, trata-se de um gesto altruísta nobre, capaz de transformar realidades. Para outros, uma prática que desperta desconfiança, seja pelo temor de mau uso dos recursos, seja pelo estigma de que o terceiro setor é ineficiente ou pouco transparente. Essa percepção, infelizmente, ainda é um obstáculo para ampliar o investimento social privado em áreas estratégicas, como a educação.

A realidade educacional brasileira impõe urgência ao tema. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 9 milhões de jovens entre 14 e 29 anos não concluíram o ensino médio e aproximadamente 20% desse grupo estão fora da escola e do mercado de trabalho (fonte). O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) 2023 revela que, apesar de avanços nos anos iniciais do ensino fundamental, o ensino médio permanece estagnado, com média nacional de 4,3 pontos, distante da meta de 5,2 estabelecida pelo Ministério da Educação.

Esses números não são apenas estatísticas: representam trajetórias interrompidas, talentos desperdiçados e impactos diretos na produtividade e competitividade do país. Diante desse cenário, a filantropia estratégica se apresenta como um caminho para acelerar soluções. Mas há um desafio geracional. 

Hoje, o perfil predominante dos grandes filantropos brasileiros é formado por pessoas de idade avançada. São indivíduos que, ao longo de décadas de sucesso empresarial, decidiram devolver parte de sua riqueza à sociedade. Essa contribuição é inestimável. No entanto, se quisermos criar impacto em escala, precisamos ampliar essa base de apoiadores e incluir uma nova geração de líderes, especialmente empreendedores, fundadores, investidores e todo ecossistema que atua em inovação.

A experiência de organizações que captam recursos para investir em educação mostra que esse público existe, mas ainda está sub-representado.

O momento é oportuno. O cenário global de startups e capital venture está menos voltado a fusões e aquisições, o que abre espaço para novos tipos de investimento. Ao mesmo tempo, cresce o interesse por causas que combinem retorno social e relevância pública.

Mas não basta convidar: é preciso romper barreiras culturais. No Brasil e em outros países da América Latina, persiste a percepção de que doar é “perder” ou que recursos destinados a projetos sociais correm risco de mau uso. Segundo estudo do Charities Aid Foundation (CAF), o Brasil ocupa apenas a 86º posição no ranking global de cultura de doação. Esse cenário contrasta com nações desenvolvidas, onde incentivos fiscais e práticas consolidadas de filantropia fazem parte do DNA empresarial.

Outro fator é a visão distorcida sobre meritocracia, especialmente entre os ‘founders’, que normalmente começam algo já com grandes recursos, diferentemente dos empreendedores, que na maioria das vezes criaram o negócio por necessidade. Muitos ainda acreditam que todos partem das mesmas condições, ignorando que a desigualdade de oportunidades é um dos maiores entraves ao desenvolvimento.

É nesse ponto que entra o conceito de filantropia estratégica, modelo que vai além do assistencialismo e busca gerar impacto mensurável e sustentável. Envolve due diligence rigorosa, métricas de resultado e uma relação próxima com os beneficiários, tratando o investimento social como parte da estratégia de negócios e não apenas como ação de marketing ou filantropia pontual.

Outra mudança necessária é incentivar a transparência e a comunicação sobre as doações. Embora muitos grandes doadores preferem agir de forma discreta, o silêncio acaba limitando o efeito multiplicador que suas histórias poderiam gerar. Quando nomes de peso do mercado divulgam que estão apoiando causas relevantes, inspiram outros a fazer o mesmo e ajudam a quebrar o preconceito contra o terceiro setor.

Há, claro, desafios adicionais. O fenômeno do greenwashing e o ceticismo em torno de práticas ESG fazem com que alguns empresários recuem. Outros resistem à ideia de se associar a ONGs, preferindo o termo “instituição” para evitar estigmas. Ainda assim, a combinação de governança sólida, comunicação clara e resultados concretos pode mudar essa percepção.

O Brasil está diante de uma escolha: continuar com uma filantropia concentrada em poucos nomes de idade avançada ou construir uma nova geração de filantropos que una capital financeiro, conhecimento e rede de contatos para transformar a educação. Se optarmos pelo segundo caminho, não apenas aceleramos o avanço educacional, mas também fortalecemos a cidadania e a competitividade nacional.

A transformação exige urgência. Cada ano perdido é uma geração de estudantes que não terá acesso à educação de qualidade e um custo alto demais para o país. A nova geração de líderes de negócios precisa entender que investir em educação não é caridade: é uma estratégia inteligente para garantir o futuro do Brasil.

*Ana Carolina Garini Scarcello é CEO da ONG ZeroDois pela Educação, organização apoiada pela Fundação Lemann, e sócia-fundadora da CON. Atua como mentora na ABStartup e é engajada em causas sociais, com foco no apoio a pacientes oncológicos.

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