
“O Diesel sempre correu nas minhas veias”. É desta maneira que Paloma Araújo, 28 anos, costuma explicar sua paixão por dirigir veículos pesados e pegar a estrada Brasil afora. Apesar da segurança em sua fala, a moradora de São Gonçalo dos Campos (BA) demorou alguns anos para tomar a decisão de virar carreteira.
Filha de caminhoneiro, vislumbrava o sonho de viajar desde pequena. “Queria a sensação de liberdade”, afirma. Foi influenciada pela rotina do paique, mesmo vendo Paloma de 6 em 6 meses durante a infância, comentava como gostava dessa profissão após chegar de cada viagem.
Depois de se formar no ensino médio com o curso técnico em Enfermagem, Paloma se viu na obrigação de trabalhar em um hospital motivada pela mãe. Mas após sete anos de uma carreira consolidada na área da saúde, a vontade de seguir o sonho de criança falou mais alto: ela deixou o emprego de enfermeira e decidiu complementar sua carteira de motorista para se tornar carreteira.
O desafio maior foi fazer a mãe aceitar a transição: “Quando contei a ela que iria largar tudo e viver dirigindo na estrada, ela não assimilou muito bem, não”, lembra. “Mas como eu já tinha estudado enfermagem, seguindo o seu conselho, expliquei que chegara a minha vez de viver o que escolhi para mim”.
A virada de chave não foi tão fácil. Paloma teve de investir em treinamento e vencer algumas barreiras. O medo de aprender a manobrar uma carreta paraentrar em um mercado majoritariamente masculino era um obstáculo, mas ela seguiu firme. “Eu não tinha confiança, achava que nunca conseguiria manobrar. E como eu iria para a estrada? O setor ainda é muito machista. É difícil ficar no pátio do posto, as pessoas nos olham com outros olhos por ser mulher. É crítico também usar o banheiro, por exemplo”, desabafa.
Mas o medo foi se transformando em confiança com a ajuda do projeto ‘Mulheres em Trânsito: Diversidade, Desenvolvimento e Inclusão’, que nasceu da parceria entre a Fundação FEAC(Federação das Entidades Assistenciais de Campinas – SP) e a Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte (FABET). O projeto oferece capacitação para a habilitação em veículos pesados, ampliando o acesso de mulheres, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade.
Um levantamento da Confederação Nacional do Transporte (CNT) de 2023 aponta que o número de condutoras mulheres para veículos pesados aumenta cerca de 5% a cada ano — um setor que vem crescendo em oferta de vagas.
De acordo com Belisa Gaudereto, analista de projetos da Fundação FEAC, qualificar mulheres para atuar no transporte de cargas movimenta umaatividade cuja lacuna ainda é significativa no Brasil, dada a pouca presença feminina, por ser uma profissão historicamente masculina. “É um setor que tem remuneração acima da média, mas sofre com escassez de profissionais”, ressalta.
O acompanhamento do projeto nesta iniciativa inclui encaminhamento para vagas de emprego, apoio na elaboração de currículos, preparação para entrevistas, facilitação de conexões com empresas parceiras, além de suporte para adaptação e incentivo à permanência no emprego.
O “Mulheres em Trânsito” segue os princípios dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU (Organização das Nações Unidas), mais especificamente o ODS 8: Trabalho Decente e Crescimento Econômico. Além de oferecer a parte técnica para a condução de veículos de carga leves, semipesados e pesados, o projeto cobre parte dos custos da formação, oferece suporte com transporte e alimentação e também promove habilidades socioemocionais das alunas, com aulas de desenvolvimento pessoal para as futuras motoristas.
A iniciativa garante encaminhamento para vagas em empresas parceiras, além de acompanhamento na inserção profissional. Até o momento, foram duas edições. Na primeira edição, o projeto registrou 422 inscrições e contou com um grupo diverso: as participantes são, em sua maioria, chefes de família, entre 19 e 59 anos, sendo que 30,5% delas se autodeclararam pretas, outras 30,5% pardas e 1,7% indígenas.
Para Paloma, essa jornada foi de autodescoberta e empoderamento. “Aprendi que sou capaz de tudo, basta eu me capacitar, me aprimorar no que quero e fazer”, diz. E esse é só o começo, pois o sonho de entrar em uma empresa como motorista, ela já alcançou. A próxima metaé, daqui a alguns anos, ter a própria frota de caminhões, aumentando o primeiro conjunto já conquistado junto ao esposo.
Para as mulheres que, assim como Paloma, sonham com a liberdade da estrada, o conselho da carreteira é direto: “Tentem, se aprimorem e vão para a estrada. E tenham posicionamento! Não deixe que ninguém impeça seu posicionamento por ser mulher”, afirma.
Segundo dados da Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito) de 2022, apenas 3,4% dos condutores de veículos pesados eram mulheres. Durante a jornada, elas enfrentam uma dupla batalha, que inclui longas horas na estrada e o combate diário ao preconceito, que é uma realidade para 87,5% das motoristas, segundo pesquisa da CNT (Confederação Nacional do Transporte).
Além das dificuldades diárias – como a falta de segurança para utilizar o banheiro, citada por Paloma –, são comuns os casos de assédio moral e sexual. Apesar disso, impulsionadas pelo desejo de autonomia e independência financeira, elas não estão apenas quebrando estereótipos, mas também pavimentando o caminho para um futuro mais diverso.
(Por Fernanda Lagoeiro, para o ONG News)
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