No mês da Visibilidade Lésbica, nós, mulheres lésbicas, comemoramos o fato de resistirmos, amarmos e continuarmos lutando por realmente alcançarmos essa visibilidade.
Mas, afinal, o que é ter visibilidade?
Ter visibilidade é ser vista, é ser representada em meios de comunicação, em diferentes espaços da sociedade, e sentir-se parte de um grupo de pessoas. E, quando falamos de nós, mulheres lésbicas, falamos de um apagamento que ultrapassa a lesbofobia! A falta de presença de mulheres que amam mulheres é recorrente em diversas narrativas e tempos diferentes de nossas vidas.
A solidão da saída do armário
Enquanto crescemos, vamos nos enquadrando em caixinhas que já são formadas por uma estrutura criada muito antes de sabermos o que significa estrutura: encontrar seu grupinho na escola, ser sociável o suficiente para fazer novas amizades, começar a pensar o quanto antes o que queremos ser quando crescer e assim seguimos.
A saída do armário acontece em diferentes fases para cada uma, e as experiências, principalmente familiares, também são muito distintas.
Mas, quando falamos de sociedade, entre histórias de amigas e leituras na internet, temos algumas situações similares. Crescemos sendo cobradas do namoradinho, com “idade correta” para nos casarmos, e precisamos nos prevenir o quanto antes para não engravidar.
Todas essas informações que nos rodeiam traçam, em partes, o caminho que supostamente devemos seguir, e começamos a nos moldar para caber. Nos vestimos de jeitos considerados “mais adequados” para sermos aceitas, vamos a baladas hétero para fazer parte dos grupos de amigos e nos colocamos em muitas outras situações (que nos afetam física e mentalmente) para não ficarmos para trás .
Achar nosso espaço ou criar esses espaços para que possamos ser quem somos já foi mais complicado, mas ainda o é para muitas. Por mais que falemos sobre a auto-aceitação, a aceitação do outro também é buscada. Então, quando conseguimos nos ver em outros grupos, na mídia, nos espaços de lazer, no trabalho, na escola, na política, é quando conseguimos nos ver representadas. A importância da representatividade de outros corpos e existências são fundamentais para darmos um pequeno grande passo, que é o de conseguirmos nos aceitar do jeitinho que queremos ser.
A lesbianidade como perversão
Historicamente, por força de morais religiosas e de ideologias patriarcais cisheteronormativas, todo e qualquer ato sexual que não gera reprodução tem sido visto como perversão sexual. No caso de mulheres lésbicas, um dos rótulos que se estabeleceu em relação a essa suposta promiscuidade é o da visão pornográfica. Basta olhar as buscas do Google ou do próprio Instagram pelo termo “lésbica” e analisar os resultados.
Mas o que isso tem a ver com solidão?
Observamos, na sociedade atual, uma maior tolerância a homens gays. Na TV, nas entrevistas, na cena musical e em tantas outras, a figura do homem homossexual é geralmente concebida como agradável, muitas vezes caricata e repleta de jargões que ficam na boca de todos. E tudo bem! Mas onde nós, mulheres lésbicas, somos representadas hoje?
Tenho a impressão, há muitos anos, de que a sociedade olhava sim com mais repulsa para os homens, pois qualquer comportamento que saísse da hetenormatividade causava mais estranheza. Mas as mulheres que desafiam essas normas foram levadas para um lugar de sexualização muito forte, sem mencionar a ideia de que, se continuarmos femininas, a sociedade ainda vai nos aceitar, mas se sairmos desse padrão que nos foi imposto haverá um apagamento pouco verbalizado.
Mulheres caminhoneiras, que não se enquadram no padrão dito feminino, não são representadas em nenhum lugar. Não existem na mídia, seus corpos são olhados com preconceito na sociedade, e encontram dificuldades nos seus próprios grupos, já que o apagamento também pode acontecer dentro da própria comunidade.
Andar na rua de mãos dadas ou trocar qualquer carinho com sua companheira é sinônimo de medo. Qualquer corpo que saia da heteronorma vive à margem da aceitação pública.
Ter a coragem e o amparo de outras mulheres lésbicas é o nosso grito de resistência frente a um governo fascista e lesbofóbico.
Pandemia e a importância de criar nossas comunidades
Graças aos novos formatos de comunicação, conseguimos nos fazer presentes em outros meios e, assim, erguer as nossas vozes. A internet possibilita que a gente consiga estar em alguns espaços que antes eram utilizados majoritariamente por grupos dominantes – homens-cis-héteros-brancos -, e, assim, mostrar que existimos.
Com a pandemia, os espaços físicos seguros que criamos para nós ficaram em uma realidade distante. Com isso, o que nos restou foi exatamente a comunicação online, mas a exaustão desse formato também já chegou.
A saúde mental foi e é a maior preocupação da população LGBT+ durante esse período. Em um estudo da Fiocruz, cerca de 55% foram diagnosticados com o risco de depressão no nível mais severo, índice quase 8% a mais que na pesquisa de 2020 (47%).
Isso sem falar na falta de segurança dentro da própria casa (dados do Instituto Patrícia Galvão, 2018):
- 29% dos assassinatos de mulheres lésbicas ocorrem dentro de sua residência
- 89% dos lesbocídios foram causados por homens
- 35% das mortes foram cometidas por alguém com vínculo afetivo ou familiar
Aqui, fica o questionamento de como podemos nos unir mais e lesbocentrar relações. Não por querermos ser excludentes com nenhum outro grupo, mas por precisarmos, antes de tudo, nos sentirmos seguras em tantos ambientes que já nos foram negados.
A criação do Coletivo Cássia se deu para que tivéssemos um grupo de acolhimento, algo que sentimos falta desde o momento em que procuramos por nosso grupo de apoio, seja na infância ou adolescência. Procurar por outros coletivos e grupos, ou até mesmo criar algum, é um dos meios de nos fazermos pertencentes. Pedir ajuda para outras mulheres não deve ser motivo de vergonha. Participar de encontros – mesmo que sejam virtuais – não deve nos impedir de criar esses laços, pois estar em grupos que nos reconhecem é uma das melhores sensações de pertencimento.
Para quem está do outro lado, criando esses movimentos, ser acessível é uma das chaves para que todas essas outras mulheres consigam chegar e achar seus espaços. E nós continuamos aqui, querendo ouvir e acolher quem mais precisar se sentir acolhida.
Texto de Estela Mancini
Membra do Coletivo Cássia