Há um ditado do povo inuíte, um dos três povos aborígenes do Canadá, que diz que a língua é o único instrumento que se afia com o uso. Uma forma de transmitir uma discriminação pode ser por meio da língua. Ela é o espelho de valores e do pensamento da sociedade que cria, utiliza e transforma seus conteúdos linguísticos. Por isso, jornalistas, escritores ou usuários da língua de forma geral: vamos nos unir no uso de uma linguagem inclusiva de gênero! Isso serve, e muito, para portais de notícias, sobretudo, os com conteúdos dedicados às mulheres.
Quem nunca leu uma manchete como “10 dicas para seus filhos passarem de ano”? Ou, em livros escritos por psicólogos infantis ou profissionais de outras áreas, nunca se deparou na leitura com o masculino sendo representante oficial do feminino? Eu mesmo, quando recebo alguma resposta de entrevista, vejo que as respostas das pessoas “enguardachuvam” o feminino.
Aposto que na carta que você recebe da escola da sua criança está escrito “Reunião de pais e professores” e não “Reunião de mães e professoras” (ironia: uma amiga lembra que, embora alguns pais hoje cheguem a comparecer, ainda são as mães quem costumam encarar a bronca indo às reuniões). Escolas, por exemplo, em vez de usar “pais” e “professores” na carta da reunião, podem utilizar expressões “pais e mães” e “professores e professoras” como forma de trabalhar a linguagem inclusiva de gênero.
A provocação necessária é: por que o masculino deve servir de guarda-chuva para o gênero feminino? Frases construídas com predomínio dos vocábulos masculinos em matérias jornalísticas ou em outras modalidades textuais, sem dar qualquer visibilidade ao feminino, reforçam um comportamento machista e colonizador.
Como deixa explícito o “Manual para o uso não sexista da linguagem”, elaborado pela Secretaria Estadual de políticas Públicas para as Mulheres do Rio Grande do Sul [1], publicado em 2014, os meios de comunicação constituem “hoje em dia um dos mais importantes agentes de socialização de gênero, pois se transmite de modo muito sutil e inconsciente, uma visão parcial e estereotipada das mulheres e dos homens”.
A linguagem constrói, cria consciência e estrutura ideológica, modifica o pensamento das pessoas, modela o espírito e remunera a imaginação para nos construirmos nas relações sociais. Como a língua é um reflexo da sociedade, ela é capaz de transmitir e reforçar os estereótipos e papéis considerados “adequados” para homens e mulheres na sociedade. Ela não é sexista, mas o uso que fazemos cotidianamente dela pode ser.
As “Blogueiras Feministas” [2], em um texto sobre o tema, lembram também que a linguagem inclusiva não deve ser referente apenas ao gênero, “mas a outros grupos identitários como negras/os, pessoas trans, etnias, etc”. Vale e muito a leitura desses dois materiais (indico os links ao final do texto).
Podemos agora mesmo trabalhar numa linguagem inclusiva de gênero.
Por exemplo: em de vez de dizermos ou escrevermos “Os paulistanos têm um bom nível de vida”, é mais gentil sintaticamente dizer “O nível de vida em São Paulo é bom”. Utilizar a voz passiva é uma forma inclusiva de se considerar todos os seres humanos nas orações. Dá para utilizar o gerúndio para evitar o uso de algumas palavras que, no geral, se identificam com homens.
Não é nada democrático dizer ou escrever “Os deputados da Câmara buscam soluções para o problema da segurança pública”. Muito embora o número de mulheres congressistas seja mínimo, com apenas 50 deputadas atuantes dentre os 513 parlamentares [3], há representação política feminina atuante. Logo, é mais democrático dizer ou escrever “O Congresso está buscando soluções”, assim mesmo, no gerúndio. Os exemplos são vários e as alternativas [veja o link 1] semânticas, muitas.
A ideia da linguagem inclusiva de gênero é exatamente isso: desconstruir a ideia de masculino como universal e desconstruir o uso sexista da língua na expressão oral e escrita que só reforça as relações assimétricas e nada equitativas de gênero. A linguagem sexista, ressalta o “Manual para o uso não sexista da linguagem”, se utilizada de forma integral, impõe a nós que “o masculino (homem) é empregado como norma, ficando o feminino (mulheres) incluído como referência ao discurso masculinizado”.
Trabalhar essa linguagem inclusiva em nós é dar visibilidade para as mulheres em todas as esferas e dar mais publicidade para a participação feminina que sempre existiu na construção histórica do Brasil, mas nem sempre destacada.
Incluir as mulheres em qualquer referência oral e escrita é optar por uma linguagem não discriminatória e parar de naturalizar estereótipos nos textos e em nós mesmos. A língua é uma ferramenta viva e em constante transformação e cabe a nós nos trans-formarmos para promovermos a igualdade de gênero e criar uma Cultura de Paz cada vez mais próxima.
Visite esses links:
[1] Manual para o uso não sexista da linguagem
[2] Linguagem inclusiva de gênero em trabalho acadêmico
[3] Deputados rejeitam cota para mulheres no Congresso