Em 1964 o Brasil sofreu o golpe militar que instaurou na realidade da população uma forte censura, determinadas pelos Atos Institucionais (AIs) promulgados pelos “presidentes” da época. Essas ações foram estratégias dos militares para aumentar a repressão do Estado sobre a população e evitar que manifestações contrárias ao (des)governo repercutissem pelo país. E a música, como uma forte expressão popular, foi um dos alvos mais fiscalizados pela censura.
É claro que os artistas não se calaram e buscaram formas de trazer em suas produções críticas sutis ao golpe, de forma a estimular o espírito questionador das pessoas, driblando as determinações impostas pelos AIs. Como atualmente muito se fala numa possível “ditadura militar” nós elencamos algumas das obras mais famosas que marcaram as rádios e trouxeram esperanças para o coração dos brasileiros no triste período que foi o intervalo entre 1964 e 1985:
Pra não dizer que não falei das flores – Geraldo Vandré
Vandré foi um dos primeiros artistas a ser perseguido e censurado pelo governo militar. A música foi a sensação do Festival de Música Brasileira da TV Record, se transformando em um hino para os cidadãos que lutavam pela abertura política. Além das denúncias sobre a situação miserável em que se encontrava parte da população brasileira, por meio dela, Vandré chamava o público à revolta contra o regime ditatorial e ainda fazia fortes provocações ao exército, principalmente no trecho “viver pela pátria e morrer sem razão“.
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora e não espera acontecer
Cartomante – Elis Regina
A canção eternizada na voz de Elis Regina fala sobre o medo que a população tinha das ações e opressões impostas pelos ditadores. O clamor para que a população esteja ao lado uma da outra foi uma das formas encontradas para unir a população ao movimento revolucionário que pedia pelas Diretas. Ao cantar que “Cai o Rei de Espadas, cai o Rei de Ouros, cai o Rei de Paus, cai, não fica nada”, Elis faz uma das maiores provocações ao governo, prevendo a queda da ditadura nacional.
Não ande nos bares, esqueça os amigos
Não pare nas praças, não corra perigos
Não fale do medo que temos da vida
Não ponha o dedo na nossa ferida
Apesar de você – Chico Buarque
Depois de Geraldo Vandré, Chico Buarque se tornou o artista mais odiado pelo governo militar, tendo dezenas de músicas censuradas. Apesar de você faz uma clara referência ao ditador Médici. Para driblar a censura, ele afirmou que a música contava a história de uma briga de casal, cuja esposa era muito autoritária. A desculpa funcionou e o disco foi gravado, mas os oficiais do exército logo perceberam a real intenção e a canção foi proibida de tocar nas rádios.
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros. Juro!
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Esse samba no escuro
Acorda Amor – Chico Buarque
Essa música foi à época, e continua sendo hoje, um exemplo da força da poesia que sempre intrigou e irritou os poderes autoritários. Esse poema de Chico chamou a atenção dos militares que o interrogaram para saber quem era aquele você. A letra da canção resgata o medo das pessoas de serem abordadas pelas ações dos militares e, de repente, sofrerem um “desaparecimento misterioso”.
Acorda amor
Eu tive um pesadelo agora
Sonhei que tinha gente lá fora
Batendo no portão, que aflição
Era a dura, numa muito escura viatura
Minha nossa santa criatura
Chame, chame, chame lá
Alegria, alegria – Caetano Veloso
Caetano Veloso valorizava a ironia, a rebeldia e o anarquismo a partir de fragmentos do dia a dia. Em cada verso, revelações da opressão ao cidadão em todas as esferas sociais. A letra critica o abuso do poder e da violência, as más condições do contexto educacional e cultural estabelecido pelos militares, aos quais interessava formar brasileiros alienados.
Caminhando contra o vento
Sem lenço e sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou
O bêbado e a equilibrista – Elis Regina
Essa é uma canção que representava o pedido da população pela anistia ampla, geral e irrestrita, um movimento consolidado no final da década de 1970. A letra fala sobre o choro de Marias e Clarisses, em alusão às esposas do operário Manuel Fiel Filho e do jornalista Vladimir Herzog, assassinados sob tortura pelo exército.
Louco, o bêbado com chapéu-côco
Fazia irreverências mil para noite do Brasil, meu Brasil
Que sonha com a volta do irmão do Henfil…
Com tanta gente que partiu num rabo-de-foguete
Chora a nossa pátria, mãe gentil
Choram Marias e Clarices no solo do Brasil
Mosca na sopa – Raul Seixas
Nessa música de Raul, apesar das controvérsias acerca do sentido, a letra faz uma referência clara à ditadura militar. Através de uma metáfora, o povo é a “mosca” e, a ditadura militar, “a sopa”. Desta forma, o povo é apresentado como aquele que incomoda, que não pode ser eliminado, pois sempre vão existir aqueles que se levantam contra regimes opressores.
E não adianta vir me dedetizar
Pois nem o DDT pode assim me exterminar
Porque ‘cê mata uma e vem outra em meu lugar
Que essas canções sejam apenas entretenimento
E aí, gostou das sugestões? Faltou alguma? Conta pra gente! E vamos torcer juntos para que essa memória musical do Brasil faça parte apenas das lutas do passado e não sejam mais necessárias além da finalidade de entretenimento durante os anos que virão.