
A primeira inscrição em um edital costuma ser mais do que um desafio técnico — é um exercício de resistência, autoestima e método. A sensação de não pertencimento, a linguagem burocrática dos formulários e a dificuldade de traduzir o impacto de uma ação coletiva em termos objetivos são barreiras reais enfrentadas por coletivos e organizações sociais de todo o país. Mas quem ultrapassa essa porta descobre que há caminhos possíveis, especialmente quando se compartilham estratégias e aprendizados.
Iracema Souza, gerente de Conhecimento e Advocacy do Fundo Agbara, é categórica ao apontar um dos principais obstáculos para que muitas organizações sequer tentem um edital: o medo de errar. “Existe um conceito que já foi usado para explicar por que muitos jovens não fazem o vestibular: a autoeliminação. A pessoa acredita que não vai passar e desiste antes mesmo de tentar. Isso também acontece com coletivos sociais. Muita gente nem chega a procurar um edital porque acha que nunca seráselecionada”, explica.
Esse sentimento se soma à dificuldade de compreender a linguagem técnica e à própria falta de tempo para realizar a inscrição nos editais. É por isso que, no próximo editalda Agbara, será aberto um canal de WhatsApp para que as pessoas possam enviar suas dúvidas. “A pessoa pode mandar as perguntas em forma de áudio, vídeo, por escrito ou da forma que quiser. A ideia é tornar o processo mais acessível possível”, adianta. Também estão previstos novos formatos de comunicação com os interessados, como a criação de vídeos explicativos. “O Fundo Agbara também incentiva que as organizações participantes troquem experiências entre si, pois é muito valioso permitir que esse processo construa um pertencimento.”
O não, a gente já tem
Carol Farias, coordenadora de marketing da plataforma Prosas, lembra bem da ansiedade de seu primeiro edital. “Eu tinha 18 anos e um projeto idealista. A primeira coisa que fiz foi pesquisar no Google: onde encontrar editais? A Prosas foi a primeira página que apareceu”, conta. A plataforma, que já mapeou mais de 13 mil editais em uma década de atuação, recebe uma média de cinco mil acessos por dia e envia uma newsletter com novas oportunidades duas vezes por semana. Segundo Carol, o medo de não ser contemplado jamais deve travar esse processo. “Tudo bem se inscrever em trinta editais, perder em 29, mas conseguir a aprovação de um”, ensina. O ‘não’ a gente já tem.”
Luiz Sérgio Pereira, diretor de Relações Institucionais da SAVE Brasil, destaca que participar de um edital nunca é simples e que, por trás da ansiedade do processo, há uma armadilha comum: confiar demais na força da causa. “Como acreditamos muito no que fazemos, temos a tendência de achar que nossos projetos serão automaticamente selecionados. O resultado é não ser claro o suficiente na descrição das atividades e objetivos, imaginando que certos pontos são óbvios. Mas quem avalia seu projeto provavelmente não é da mesma área que você e pode não compreender com a mesma profundidade suas intenções”, ensina.
Ele lembra com entusiasmo da primeira vez em que teve um projeto aprovado, no edital do Criança Esperança. “Na época, fundamentei minha proposta no Estatuto da Criança e do Adolescente e, a partir da leitura atenta do documento, alinhei cuidadosamente o projeto aos temas prioritários daquele ano. De palavra por palavra, procurei garantir que o vocabulário da proposta dialogasse com o do edital. Também fiz uma pesquisa rápida sobre os projetos contemplados em anos anteriores, tentando entender o tipo de iniciativa que costumava ser valorizadae usei esse modelo para me inspirar na minha proposta. Quando o resultado saiu e descobri que havíamos sido aprovados — sendo essa a primeira parceria da instituição com o Criança Esperança —, foi uma alegria imensa! Uma validação de que método, estratégia e propósito podem caminhar juntos.”
Financiadores mais conscientes
Além da Prosas, outra plataforma que reúne editais e oportunidades de financiamento é a Êxitos. Criada para facilitar o acesso à captação de recursos, esse portal funciona como uma ponte entre organizações e financiadores. Em um de seus artigos institucionais, a Êxitos define bem a experiência de quem busca apoio para suas causas: “Captar recursos é, antes de tudo, um exercício de resiliência. O sucesso nasce da persistência — da insistência mesmo — e da coragem de tentar de novo após cada recusa. Cada tentativa carrega uma lição.”
O Brasil tem mais de 800 mil Organizações da Sociedade Civil (OSCs) registradas, de acordo com dados do IPEA, mas apenas uma pequena fração delas consegue acessar recursos por meio de editais públicos ou privados. A razão não está apenas na competitividade dos processos, mas também na forma como são conduzidos: editais mal divulgados, com linguagem técnica pouco acessível, prazos apertados e exigências que nem sempre consideram a realidade das organizações de base.
É nesse cenário que as plataformas de editais ganham protagonismo. A Prosas, além de listar essas oportunidades, oferece ferramentas para elaboração de projetos e gestão de propostas. “Nosso trabalho é aproximar os editais de quem precisa deles, com clareza e constância. Por isso, além da nossa central para pesquisa, também produzimos conteúdos educativos para ajudar quem está começando”, explica Carol Farias.
Inteligência Artificial
As tecnologias emergentes também têm ajudado os captadores de primeira viagem. A inteligência artificial, antes restrita a grandes empresas, agora é ferramenta comum até mesmo em coletivos periféricos. “Não se trata de delegar à máquina a tarefa de contar a história da sua ONG ou pedir para resumir as exigências do documento, sem sequer dar o trabalho de ler o edital com atenção. Essa ferramenta pode ajudar a interpretar alguns trechos mais confusos e organizar melhor suas ideias”, afirma Carol.
Luiz Sérgio vai além, lembrando que os próprios financiadores já usam a IA para uma primeira triagem dos projetos encaminhados. “Com isso, o uso estratégico de palavras-chave se tornou essencial na redação dos projetos”, diz. Ele aconselha dedicar atenção especial ao resumo executivo, que deve conter uma alta capacidade de síntese, e também garantir que a metodologia proposta dialogue diretamente com o orçamento apresentado. “Coerência entre planejamento e recursos é algo que os avaliadores observam com muito rigor.”
As dicas para quem vai escrever seu primeiro edital, portanto, se acumulam: entender o edital como um diálogo, não como uma prova. No fim das contas, o primeiro edital é sempre um marco. Seja pela vitória, pela recusa ou pelo aprendizado. Ele marca o início de um caminho de amadurecimento institucional. E, como reforçam Iracema, Carol e Luiz Sérgio, essa trajetória começa com o simples gesto de tentar.
(Adriana Silva, para a ONG NEWS)
11 3251-4482
redacao@ongnews.com.br
Rua Manoel da Nóbrega, 354 – cj.32
Bela Vista | São Paulo–SP | CEP 04001-001