Quando se fala em organizações não-governamentais (ONGs) são variadas as reações das pessoas. Alguns acreditam que são instituições beneficentes feitas apenas por voluntários. Outros apontam como entidades de jovens que fazem peripécias atrevidas para chamar atenção da mídia, em que o caso mais emblemático é o Greenpeace. Ou ainda, é mal visto por muitos por ser algo que não é nem governo e nem empresa. E como sabe-se pouco sobre elas, o desconhecimento muitas vezes atrai o preconceito.
Esse olhar é reforçado pela mídia e foi tema da publicação A imprensa brasileira e as Organizações da Sociedade Civil, da ONG ANDI – Comunicação e Direitos. Entre as conclusões da análise estão que o desconhecimento sobre o funcionamento dessas entidades leva a uma cobertura individualizada e fragmentada.
Mas afinal, o que é uma ONG?
No Brasil o termo criado pelas Organizações das Nações Unidas há quase 70 anos, se aplica a qualquer pessoa jurídica que não é governo, não visa lucro e tenha participação livre e voluntária. Isso quer dizer que movimentos ou coletivos que não estejam legalmente constituídos não são ONGs. As cooperativas, por terem finalidades econômicas também não. Partidos e sindicatos que ou dependem de autorização do governo ou cuja participação não é voluntária, também não cabem nesse termo.
Enfim, as ONGs, que somam mais de 310 mil entidades no Brasil, são as Associações e Fundações legalmente constituídas. Aliás, é importante que se diga que ONG, ou seu nome mais específico Organização da Sociedade Civil (OSC), não é um termo jurídico para nenhuma entidade. Ou seja, é apenas um termo genérico.
Por associação podemos entender que é a maioria das entidades que conhecemos e muitas vezes nem sabíamos disso. As Apaes, a SOS Mata Atlântica, Akatu, Instituto Socioambiental, Repórter Brasil, Doutores da Alegria, Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein, Legião da Boa Vontade e Instituto Presbiteriano Mackenzie são alguns exemplos.
Qualquer fundação, por sua finalidade de interesse público, também é ONG. Desde a Fundação Grupo O Boticário, Fundação Bradesco, Fundação Roberto Marinho, Fundação Getúlio Vargas, Fundação Pio XII, etc.
Explicado esse conceito, apresentamos cinco motivos pelos quais a imprensa deveria ouvir mais essas entidades. Três dos argumentos foram retirados do curso Tudo o que você precisa saber sobre ONGs.
1 – As ONGs tem personagens e especialistas
Quando as entidades desenvolvem projetos com a população local, elas estabelecem uma sincronia importante com a comunidade. Essa proximidade traz um olhar peculiar em comparação a outras vozes ouvidas, como o governo ou empresas.
Muitas vezes essas entidades são constituídas por pessoas que são da comunidade. Um exemplo bem evidente são as Apaes (Associações de pais e amigos dos excepcionais). Ou entidades que prestam serviços básicos em comunidades carentes.
2 – Produzem conhecimento
É notável a quantidade de estudos que entidades vem produzindo no Brasil. Para mostrar os efeitos das mudanças climáticas e da importância em se manter matas ciliares. Desmistificar números da violência. Para demonstrar os perigos de determinados mega empreendimentos, para contestar dados oficiais sobre gastos públicos e muitos outros.
O Intervozes, por exemplo, tem uma publicação sobre a Concentração dos meios de comunicação de massa e o desafio da democratização da mídia no Brasil. A Andi sobre Direitos da Infância e Direito à Comunicação. A Abong e o Observatório da Sociedade Civil lançaram uma cartilha sobre o Marco Regulatório da Sociedade Civil, Lei 13.019/2014: Fortalecer a sociedade civil e ampliar a democracia.
3 – Exercem a cidadania
Exercer a democracia vai muito além do voto ou respeitar as leis. Está em se organizar e fazer algo que o poder público não está fazendo ou fazendo aquém da necessidade. Mas está ao alcance de um grupo de pessoas. Está em propor, debater e acompanhar a implantação de políticas públicas em todas as esferas de poder. Os conselhos, sejam municipais, estaduais ou federais, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama ou os conselhos estaduais de saúde e muitos outros, tem que ter assentos da sociedade civil organizada.
As OSCs ou ONGs também participam de fóruns para criação ou revisão de determinadas leis ou ainda para acompanhar o andamento de políticas públicas, mesmo não participando de conselhos.
Ouvir essas entidades também é uma forma de a mídia explicar o papel da democracia. E vale lembrar que não necessariamente as entidades estão “contra” a ação governamental, embora haja divergências. E o diálogo é fundamental.
4 – Apontam novos caminhos
O diálogo entre os setores pode trazer muitos benefícios para sociedade. Um exemplo bastante expressivo é a Moratória da Soja, que vigora há dez anos no Brasil. Um acordo criado a partir de intensas discussões entre o Greenpeace, o McDonalds e a Cargill e que depois envolveu os governos de estados amazônicos e o governo federal, estabeleceu um limite sobre de quem comprar soja. Na prática, inúmeras empresas não compram soja que tenham origem em áreas de desmatamento feito depois de 2008. O que isso significa? Em termos práticos: 86% de redução no desmatamento nos municípios onde a moratória vigora.
5 – Fazem parte do nosso cotidiano
Por fim, as ONGs fazem parte da nossa sociedade. Milhões de brasileiros contribuem com doações mensais ou esporádicas, comprando produtos ou ainda atuando como voluntários. Outros tantos trabalham nessas entidades. É praticamente impossível que no seu dia a dia você não tenha contato com elas. Há quem ainda possa achar que 310 mil no Brasil é um exagero. Mas em média, mesmo nos países mais ricos há centenas de milhares de organizações não-governamentais. Nos Estados Unidos, por exemplo, são 1,5 milhões de ONGs, incluindo a Fundação Bill e Melinda Gates, considerada a maior do mundo, devido ao seu capital, metade da fortuna do casal.
O que é preciso é mudar o olhar sobre essas entidades, como se elas tivessem que, necessariamente, ter pouco dinheiro para ações. Os benefícios são inúmeros, desde ajudar um grupo de pessoas em seu bairro até financiar pesquisas de vacinas de inúmeras doenças, incluindo a Aids. Ou como disse o escritor Dan Pallotta em sua palestra no TED (que também é uma ONG): Tudo o que pensamos sobre caridade está errado.
Ele defende que é preciso mais dinheiro para essas entidades, inclusive para investimento em salários e ações de comunicação. Ou seja, quanto mais entendermos os papéis das entidades sem fins lucrativos mais recursos elas podem angariar para trazer mais benefícios para a sociedade. E isso, não tem porque não ser divulgado.