Giu Soares, marketing da Trackmob e também co-fundador da Nossa Causa conversou com Márcio Bonfá Corrêa sobre a utilização de CRM no Terceiro Setor e seu trabalho como Coordenador de CRM e Digital Fundraising na Aldeias Infantis SOS Brasil.
Márcio é convidado do webinar promovido pela Trackmob sobre CRM, fala da importância de coletar dados para alavancar doações. Para conhecê-lo melhor, a Trackmob fez uma entrevista com ele, que trabalha na Aldeias Infantis SOS Brasil há 2 anos e 9 meses e já criou cases incríveis de ativação e aumento do ticket médio dos doadores.
Se você ainda não está familiarizado com este termo, não se preocupe! Vamos trazer uma visão completa nesta entrevista e dos benefícios que as organizações podem obter com essa poderosa ferramenta estratégica.
Quem é Márcio Bonfá Corrêa e como começou o seu trabalho no Terceiro Setor?
Sou formado em Publicidade e Propaganda e sou um profissional de captação de recursos que está no Terceiro Setor há aproximadamente 6 anos. A primeira vez que tive contato com este setor, eu trabalhava em uma editora religiosa, onde existiam diversos projetos sociais que haviam pessoas responsáveis pelas obras. O contato mais efetivo foi quando comecei a trabalhar no IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. Foi ali que começou, dei meus primeiros passos. O legal é que cada ONG tem suas especificidades e o IDEC se diferenciava com a defesa do consumidor.
Como foi parar na Aldeias Infantis SOS Brasil?
Soube de uma oportunidade na Aldeias para ser coordenador de comunicação. Passei por várias etapas do processo de entrevista, e na última, tive uma conversa com Filipe Páscoa, Diretor de Mobilização de Recursos e Comunicação. E nesta conversa, pelo meu discurso e experiência, me ofereceu a vaga que estou até hoje – 2 anos e 9 meses.
O que é ser Coordenador de CRM e Digital Fundraising?
Desde implementar um CRM até definir quais são as informações mais importantes para tomadas de decisão. E quando falo de implementar, é que esta solução esteja disponível e rodando no dia a dia. Dentro disso, definir qual a melhor ferramenta, processos, relatórios e quais informações são importantes para serem coletadas, para tomar decisões assertivas ao se relacionar com os doadores.
Digital Fundraising, especificamente na Aldeias, é o que o mercado chamaria de um coordenador de marketing digital. Mas a grande diferença, é que todo o esforço é voltado para captação de recursos. Como a preocupação com a marca, discurso, todas as ações propostas – precisam se traduzir em captação de recursos.
No seu webinar, o que você quer dizer com “coletar dados para alavancar doações”?
Quanto mais informações a gente tem, mais assertivo se torna nossas ações. Antigamente, quando o dono da panificadora anotava que, o Seu João comprou leite e pão, essa informação será muito valiosa para um momento posterior. Cada dado anotado, é uma informação a ser analisada do Seu João. Sua frequência de compra, quanto ele gasta, onde ele mora, sua idade etc. Hoje, temos ferramentas para coletar e analisar dados de clientes, como o CRM. Antes só era armazenado de outra maneira, hoje, no nosso caso, temos mais dados de nossos doadores, como: dados bancários, escolaridade, profissão, filhos, interesses e, tudo isso, pode beneficiar um pedido de doação que não seja tão invasivo. Armazenar dados é construir uma relação fiel e duradoura com confiança e transparência.
Quais são os diferenciais de utilizar um CRM?
CRM é uma ferramenta estratégica para a organização se relacionar com seus doadores. Hoje, tanto com os doadores – únicos e recorrentes – precisamos saber o que está acontecendo em relação a eles. Utilizar uma ferramenta que possa guardar informações como: quando fez a última doação, quando fez o último upgrade, quando cancelou a doação e o motivo do cancelamento é crucial. O mais importante de tudo isso é a riqueza que estas informações geram. Inevitavelmente vamos perder doadores. Mas também vamos ganhar novos doadores. E para manter esses doadores ativos por um tempo maior, o CRM possibilita criar um relacionamento, informando um pouco mais sobre sua causa, como o dinheiro do dele está sendo investindo etc. Isso deixa mais transparente para o doador. Simplesmente não se constrói um relacionamento sem estar em contato direto com o seu doador. Sempre que possível, mostrar para seus doadores que você está na ativa, que seu trabalho é confiável, que sua causa é importante e que todo o dinheiro está sendo investido na construção de um mundo melhor. O CRM acaba sendo fundamental para automatizar todos os processos de relacionamento com o doador, via e-mail, SMS, mídias sociais, telefone, transformando a relação em uma relação transparente e que o doador possa se sentir valorizado, e principalmente, que o seu dinheiro está sendo usado para coisas importantes.
Quais são as vantagens para quem utiliza?
As maiores vantagens são: o relacionamento com doador, a automação dos processos e armazenamento das informações para serem utilizadas no futuro.
E qual a maior dificuldade que você enxerga nele?
Um das maiores dificuldades que eu vejo é o recolhimento das informações. Pois você depende de outros sistemas, ou mesmo, de pessoas anotando os dados e inserindo manualmente dentro do CRM. Esta coleta é um processo penoso e demorado, pois você não popula a sua base rapidamente e demora um pouco para entender seus doadores. Nesse período torna difícil entender quem são eles e também e dificulta o relacionamento adequado. Por exemplo, não ter informações suficientes para pedir um upgrade, até mesmo ativar um doador inativo pode prejudicar o seu relacionamento se não for o momento certo.
Como você enxerga a evolução desta ferramenta no Brasil?
A gente sabe a realidade das ONGs brasileiras. Soluções complexas demandam muito desenvolvimento e estrutura. Acabam sendo um investimento caro que compromete suas atividades. Porém, de uns tempos pra cá, algumas ferramentas online, demonstram ser bastante amigáveis. Soluções que agregam um custo menor e que estão dentro da realidade das ONGs. O mercado do Terceiro Setor, com um CRM, vem se tornando cada vez mais amigável, dando possibilidade para todas as ONGs participarem com uma ferramenta adequada para o seu dia a dia.
Qualquer organização pode utilizar um CRM?
Todas as organizações deveriam utilizar um CRM. Quando digo CRM, estou falando de relacionamento com o doador. Uma organização pode utilizar uma planilha para guardar estes dados, mas uma ferramenta é primordial para trabalhar a captação de recursos com indivíduos. Guardar estas informações e usá-las no futuro é fundamental.
O que uma organização precisa ter para começar a utilizar um CRM?
Basicamente de um sistema e um profissional para operá-lo. Este sistema precisa de uma estrutura mínima para armazenamento dos dados e integração com meios de pagamento para processar as cobranças das doações automaticamente e de qualquer forma de pagamento: boleto, cartão de crédito etc. O profissional precisa estar minimamente qualificado para gerir a base de doadores e disponível para pensar no relacionamento e falar com seus doadores. Ela precisa entender a causa e fazer um overview deste relacionamento. Financeiramente, vai ter que ter um orçamento disponível para este sistema, na contratação dos pacotes de envios de e-mail e SMS e para a remuneração deste profissional. Evidentemente, toda a qualificação é bem-vinda, para que essa pessoa possa extrair relatórios inteligentes deste CRM. Quanto mais qualificada, melhor.
Que dica você dá para está começando?
Além da ferramenta, profissional e investimento, minimamente para começar, vamos precisar estruturar os dados que queremos coletar. No caso dos doadores, precisamos do nome, dados de contato, endereço, telefone, e-mail e dados bancários para fazer a cobrança (caso não seja cartão de crédito ou débito em conta). Precisamos pensar nas informações que você quer recolher do seu doador. Informações essenciais para o início de um relacionamento. E com o tempo, você vai obtendo informações mais avançadas, como o comportamento das doações recorrentes, quem paga mais, paga menos, facilidades e dificuldades de cobrança.
A partir dos dados coletados, é necessário ter uma régua de relacionamento que seja adequada a ele. Por exemplo, assim que ele entrar, deve receber boas-vindas por e-mail. Nada disso acontece se você não tiver o primeiro passo com uma boa coleta de dados.
A grande questão de um relacionamento duradouro, é a transparência que a gente tem com as pessoas. Qualquer relação que a gente tem hoje em dia, é baseada muito na confiança, fidelidade, transparência e, passando este mesmo conceito ao doador, no mínimo estaremos construindo uma jornada que passa aos poucos segurança.
Começar um relacionamento agradecendo por ser um doador, já que dentro de tantas ONGs, ele escolheu a sua. Boas-vindas à causa. Informativos com números relevantes do seu trabalho. Não adianta ficar mandando de tudo para todo mundo. Um doador que entrou numa campanha para ajudar crianças no Natal comprando um brinquedo, se você pedir para ajudar outra campanha que não tenha a ver com crianças, pode ser que a adesão deste doador não seja positiva. Faz mais sentido falar no que o dinheiro daquele doador está ajudando na causa, informando o que está sendo feito, enviando um documento oficial das contas da organização, assim ele sabe que o dinheiro está tendo um bom destino.
Hoje vivemos em um mundo bem popularizado que todo mundo desconfia de todos. Quanto mais próximo do doador, mais confianças estamos tendo. Boas-vindas, newsletter, história de sucesso graças a doação. Colocar a doação como algo que está proporcionando uma mudança. Uma simples ligação no aniversário pode fazer bastante diferença, na Aldeias fazemos bastando isso. Ligar, dar parabéns, agradecer a importância da sua doação, ajuda a manter esta relação próxima. E não fazer da relação, apenas uma relação de pedido. Por muito tempo as organizações só fizeram isso, o único relacionamento era só pedir. Pedir não faz uma relação duradoura. O que faz é manter doador informado e o porquê dos pedidos ao longo do tempo, isso é importante.
Quais são os principais indicadores para saber se os resultados são bons ou ruins?
Existem muitos indicadores, mas os principais que precisamos estar sempre de olho são:
Quantidade de doadores que capta por mês: é o velocímetro, odômetro, radar do dia a dia. Quantos doadores têm na base, quantos doadores estão captando no dia, na semana, no mês de acordo com a organização. É importante para saber se está sendo efetivo ou não.
Quantos estão pagando: do total doadores, quantos estão pagando e os motivos quando o pagamento não é processado.
Churn ou atrito: outro dado importantíssimo, é saber porquê os doadores te deixam.
Payback time: em quanto tempo o que a organização investiu vai se pagar.
Tempo de vida do doador: consegue identificar quando um doador entra e quando ele vai valer daqui a um tempo. Ele doa tantos reais em um período de meses e depois sai. E como fazer fazer que isso aumente no seu dia a dia. Cada organização vai ter sua especificidade.
ROI: quanto está investindo para trazer um doador.
O CRM traz resultados, se sim, quais resultados?
Um CRM potencializa os resultados de uma organização. Ele sozinho não faz, não é uma ferramenta mágica. Não adianta ter a ferramenta e não se relacionar com o doador. Tem que operacionalizar bem. Mas vamos partir do princípio que tudo está rodando. O CRM vai trazer resultados, principalmente em relação a fidelização do seu doador. A ferramenta vai te ajudar a automatizar o seu trabalho. Uma estratégia alinhada para trazer e gerir seus doadores. Tudo isso potencializa suas qualidades e tomadas de decisão. Vai conseguir gerar novos doadores, quais conteúdos são mais interessantes, tudo alinhado com informações adequadas.
Qual é a economia que um CRM pode trazer para uma organização?
O CRM traz economia principalmente se olhar pelo ponto de vista de ter uma boa estratégia de relacionamento com seu doador. É praxe, mas todo mundo acaba repetindo esse mantra: é muito mais caro trazer um novo doador do que manter o seu. Porém, é muito mais difícil manter o seu doador com o tempo, pois ele pode se perder se você não falar com ele. Com um processo automatizado, geralmente manter um doador é mais barato. O CRM te traz essa economia e te ajuda financeiramente. Só perdendo doadores você sabe o quanto é difícil trazer novos doadores. Não perder doadores já é uma grande vitória dentro da sua organização.
Outra questão importante é a produtividade operacional. Todos os trabalhos manuais de nutrição, como disparo de e-mail e SMS, podem ser automatizados por um CRM.
E também a economia. Você pode ser mais assertivo ao fazer 1.000 chamadas para os doadores com o perfil correto. Pode ser 1.000 cartas, 1.000 boletos que, com o perfil correto, as chances de conversão são maiores. Você economiza nos custos das chamadas, dos e-mails, dos SMS e do envio das correspondências.
Com um CRM, você pode analisar melhor a sua base e consegue fazer uma ação mais assertiva e no tempo certo. Uma economia financeira, de energia, pessoas e materiais. É um aumento de performance significante. Se você converte 1%, com uma análise bem feita, com inteligência de dados, essa taxa pode aumentar significativamente.
Quais são as funcionalidades essenciais que uma organização precisa utilizar num CRM?
A primeira é o repositório dos dados. O mínimo dos mínimos. Um banco de dados confiável e seguro de seus doadores. É necessário ter certeza da procedência da ferramenta. E a partir disso, relacionamento, réguas de relacionamento para manter o seu contato ativo com seus doadores. Outra coisa importante são os relatórios para facilitar as tomadas de decisão. E principalmente: integrações. Bancos, websites, sistemas de marketing, aplicativos etc. A integração traz consistência nos dados e velocidade para a sua organização, assim evita problemas de perda de dados ou informações duvidosas.
Um CRM é utilizado apenas para doadores? Ou têm outras finalidades no Terceiro Setor?
CRM é um sistema inteligente que possui um banco de dados com informações de diversos tipos de clientes. Desde prospects, não doadores e efetivamente doadores. Por exemplo, criar uma campanha específica com uma régua de relacionamento só para ela, e lá, começar uma relação com o seu lead. Através desse relacionamento, esse lead passará por uma jornada que no final, pode virar um doador, voluntários, ou até mesmo, apadrinhar uma criança. É fundamental você segmentar estes leads e trabalhar bem para cada finalidade. Se ele ganhar sua confiança, ela vai deixar seu telefone, e-mail e dados relevantes para você trabalhar esta pessoa de maneira adequada. Aos poucos ele vai ganhar sua confiança e transformar esta pessoa em um admirador da sua causa, se tornando um doador no futuro ou deixando a porta aberta para que isso aconteça.
Quais são as técnicas utilizadas para coletadas dados de seus doadores?
Você pode captar dados de doadores por diversas formas, na qual chamamos de data enters. Aqui na Aldeias Infantis, o canal F2F (diálogo direto), uma pessoa captura as informações do doador em um tablet na rua e esta informação cai automaticamente dentro do CRM. O inbound marketing é muito eficaz na coleta de dados. A pessoa está disposta a dar seus dados em troca de algum material, como um conteúdo de qualidade. Na Aldeias, oferecemos cartilhas, revistas de cuidados com a criança em troca destes dados. Outra técnica é a assinatura de petição, onde conseguimos atingir pessoas com a mesma causa que você está trabalhando. Você também pode apresentar um projeto e coletar os dados desta pessoa para realizar uma ligação. As técnicas são diversas, a Aldeias trabalha com estas estratégias e aos poucos transforma o doador. Tanto no diálogo direto quanto no marketing digital, são estratégias que faz você pensar no relacionamento com o doador.
Temos pensado muito nos canais offline. O online te gera um volume grande de leads, mais em contrapartida, o offline acaba sendo um pouco melhor para a Aldeias, pois gera mais conversões.
O tipo de entrada de dados, quanto mais criativa, melhor. E no fim das contas, todos os dados precisam estar no CRM para ter uma inteligência no futuro ao enviar um e-mail, SMS, carta ou revista, de acordo com a estratégia criada.
Existe alguma frequência ideal para se relacionar com um doador?
É muito relativo. Vai depender da urgência da campanha. Por exemplo, um terremoto no México é urgente. Quanto mais rápido, melhor. Agora, em compensação, uma campanha para o Natal, pode começar meses antes. Se você mantém um relacionamento com o doador, nestes dois cenários, você tem mais chances de seu apoio. Diferente de novos doadores que você está construindo essa confiança.
Você acredita que é possível encontrar grandes doadores utilizando CRM?
Sim, totalmente. Com o passar do tempo, você vai utilizando técnicas de análise para encontrar perfis de doadores que tendem a ser fiéis e que poderiam gerar heranças ou ser grandes doadores. É lógico que não vamos ter isso em 3 ou 4 meses que vai ter essa inteligência aguçada. Se você tem um doador que está ativo a mais de 2 anos, sempre se relacionando com a sua organização seja por e-mail, SMS, eventos, campanhas, upgrades, ele tendo um ticket fora da média, é provável que ele possa ser um grande doador.
Você tem algum case sobre CRM que gostaria de compartilhar conosco?
Temos um case para compartilhar da Aldeias que com a mesma análise gerou dois tipos de ações. Vou falar de um que especificamente gosto bastante e que continua ativo. 100% revisando e sempre buscando melhorias.
O case é de reativação e upgrade. Fazemos análises constante do desempenho da nossa base, como o doador tem se portado, quem está doando, o porquê que está doando, onde está locado cada doador, frequência, valor etc. Separamos em grupos com as mesmas características estes doadores e dentro de uma análise de RFV – Recência, Frequência e Valor, fizemos estas duas ações específicas.
A partir daí, começamos a campanha de upgrade e reativação para cada segmentação. Implementamos réguas de relacionamento. No caso dos upgrades, mandamos newsletter todos os meses, ligando no aniversário e num determinado tempo, solicitamos uma doação extra quando o doador está no quadrante de confiabilidade. A conversão começou a ser alta, o ticket médio foi de R$ 33,00 para R$ 39,00 – um aumento de 18% e incremento de R$ 7,00. Alguns chegaram a aumentar R$ 100,00 a doação. E a mesma coisa aconteceu para a reativação. Olhamos para o relatório e vimos que esses doadores inativos tinham características de doadores ativos. Qual foi o motivo de ter parado a doação? A partir disso, promovemos várias ações de telemarketing e e-mail marketing e começamos a ter um volta dos doadores.
Hoje, tirando a captação F2F, estas ações são as que mais trazem doadores. Tendo a capacidade de entender o motivo da perda é ter uma segunda chance de fazer melhor. Normalmente perdemos o doador por motivos que poderia ser evitado, como cancelamento do cartão, perda, ou até mesmo a data de pagamento ser diferente do fechamento da fatura dele. Estes pequenos detalhes foram ajustados numa estratégia que está trazendo resultados.
Fonte: Trackmob