
Mais de 30 projetos de lei com foco na prevenção e no combate à exposição indevida, adultização, exploração sexual e outros crimes contra a infância foram apresentados na Câmara dos Deputados desde a denúncia do influenciador Felca sobre adultização de crianças nas redes sociais.
Apesar da súbita onda de atenção às violações de direitos desse público, o Brasil possui coberturas robustas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e diversas outras normas que tratam da proteção da primeira infância. Dado que expõe a necessidade de garantir que os mecanismos já previstos em lei realmente funcionem na prática.
“Além do ECA, temos um Código de Defesa do Consumidor que incide também sobre as plataformas digitais, na medida em que elas são fornecedoras de serviços no mercado de consumo e, portanto, devem observar também as disposições daquela lei”, lembra João Francisco Coelho, advogado do Programa Criança e Consumo, do Instituto Alana. Ele explica que o Código atribui a qualquer fornecedor de produtos e serviços a obrigação de zelar e proteger a saúde e a segurança dos consumidores. Quando se trata de crianças e adolescentes, isso ainda é reforçado pelo próprio ECA.
Coelho conta que o próprio Instituto tem feito nos últimos anos uma série de denúncias sobre a falta de responsabilidade das plataformas digitais, justamente aplicando as leis que já existem. “Mas isso não exclui a necessidade de pensar em leis mais específicas que falem a priori para as plataformas o que elas devem fazer até para que isso possa depois ser aplicado de maneira mais direta e clara sem dar margem para qualquer tipo de polêmica”, defende.
Laís Peretto, diretora-executiva da Childhood Brasil, faz coro à essa avaliação. Ela pondera que embora o ECA e o Marco Civil da Internet sejam legislações de vanguarda em seu tempo, não conseguiram antecipar a revolução digital e os riscos inéditos a que as crianças e adolescentes estariam expostos hoje. “Se já é possível responsabilizar agressores por crimes de violência sexual online, ainda não existe uma base legal clara que responsabilize as plataformas digitais, justamente onde esses abusos e processos de adultização acontecem.”
Em um cenário onde as plataformas lucram com o engajamento gerado por publicações que expõem ou erotizam as crianças, impulsionadas por algoritmos que favorecem esse tipo de material, o debate sobre a responsabilização efetiva das big techs ganha força.
Na última quarta-feira (13), por exemplo, representantes da coalizão de 200 entidades, há três anos envolvidas na criação e aprovação do PL 2628, que trata da proteção da criança no ambiente digital, se reuniram com o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB).
“É um PL que obriga as plataformas a considerar os direitos de crianças e adolescentes com absoluta prioridade desde o design dos seus produtos, e adequar esses serviços para diminuir os riscos que eles podem oferecer”, explica João Francisco.
O advogado pontua que a proposta ainda obriga essas plataformas a proativamente moderarem conteúdos ilícitos, e a não adotarem mecanismos voltados à criação de hábitos de vício nas telas entre crianças e adolescentes. “É preciso rever a lógica do engajamento e da captura da atenção acima de tudo em direção a uma lógica protetiva para as crianças.”
Desde 2023, uma Lei Federal institui agosto como o Mês da Primeira Infância. Foi nesse ensejo que o Brasil aprovou, no último dia 5, a Política Nacional Integrada para a Primeira Infância (PNIPI). A medida reúne esforços intersetoriais e federativos para enfrentar desigualdades estruturais desde a gestação até os seis anos de idade.
No entanto, o tema ainda não é amplamente compreendido por boa parte da população. Publicado também neste mês de agosto pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, o “Panorama da Primeira Infância: O que o Brasil sabe, vive e pensa sobre os primeiros seis anos de vida” revela que 42% dos entrevistados não sabem o que significa o termo “primeira infância” e 84% não reconhecem que o maior desenvolvimento físico, emocional e de aprendizagem ocorre justamente nos primeiros anos de vida.
De acordo com o Censo GIFE 22-23, a primeira infância – junto com os idosos – está entre as faixas etárias menos priorizadas pelas organizações respondentes: 18% oferecem apoio direto e, para 53%, o tema não é prioritário.
Quando se trata da adultização infantil nas redes, Laís Peretto acredita que a atuação do Investimento Social Privado (ISP) precisa ser direcionada para frentes estratégicas: a comunicação, para conscientização das famílias, escolas, sociedade e o advocacy, para fortalecer redes, estudos e iniciativas que pressionem por uma regulação efetiva.
“Nesse cenário, o ISP pode — e deve — atuar como um contrapeso ético e político, defendendo a prioridade absoluta dos direitos da criança prevista em lei. Não podemos mais tolerar que interesses econômicos se sobreponham à proteção da infância. É hora de transformar recursos e influência em alavancas de mudança estrutural.”
Para João Francisco Coelho, as organizações do terceiro setor precisam ter em vista que as crianças e adolescentes são prioridade absoluta no Brasil. “A primeira infância ocupa um lugar ainda mais sensível nessa equação. É nesse período que há maior possibilidade de aprendizado e de moldar suas personalidades. Se a gente investe na primeira infância, estamos investindo no presente, no futuro e na criação de uma sociedade que seja, de fato, mais próspera para todos nós a longo prazo”, finaliza.
Fonte: GIFE
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